sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

“Senhor, socorre-me!” – Mt 15. 25

A graça é para todos.
Esta é a principal verdade acerca do Evangelho.
Após ler o texto de Mateus 15. 21-28, bateu-me
Um profundo senso de admiração de como a misericórdia
Do Reino é direcionada a todo aquele que clama por Jesus.
Emociona-me saber disso.
Diz o texto que Jesus estava para os lados de Tiro e Sidom.
Estas cidades estavam situadas na costa da Fenícia.
Geograficamente estavam fora do território de Israel.
Jesus já havia citado essas cidades de forma indireta quando
Quis se referir a elas como símbolos de incredulidade (Mt 11.21)
Ou seja, para os judeus eram cidades pagãs, gentias.
Não faziam parte da comunidade da aliança.
Ao certo não se sabe por que Ele “retirou-se para os lados Tiro e Sidom” (Mt 15.21).
Talvez unicamente para realizar aquele milagre
Num dos textos mais belos dos Evangelhos.
Tanto é assim que logo abaixo fica salientado que Ele voltou
Para a Galiléia, já em território israelita (15.29).
O fato é que o texto diz que à medida que Jesus caminhava,
Certa mulher proferia: “Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim!
Minha filha está horrivelmente endemoninhada”.
É o grito da necessidade.
Jesus parece negar aquilo que realizaria.
Não lhe respondeu qualquer palavra.
O silêncio do Mestre, fez com os discípulos pensassem
Que Ele não queria ajudar a mulher.
Eles vão até Jesus e solicitam para que a mulher fosse despedida.
Possivelmente, estivesse incomodando aos ouvintes, pois
Vinha “clamando” atrás deles.
A ação dos discípulos não é vil, nem digna de condenação.
Jesus estava fora do território de Israel.
Não tinha qualquer “obrigação” de realizar qualquer milagre ali.
Afinal, Ele havia vindo para salvar aos seus (Jo 1.11).
Estava presente para salvar as ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt 15.24).
Esta era a sua missão.
A mulher cananéia não fazia parte do itinerário da misericórdia messiânica.
Os seus passos não estavam agendados no caminho do Reino.
Mas els profere de forma agônica, num temor humilhado,
Habitado por profundo desespero e esperança: “Senhor, socorre-me!”
Vejo nestas palavras uma beleza incomum.
É a poesia da necessidade.
Somente um coração habitado por profunda humildade, desvestido
De qualquer sentimento arrogante, clama estas palavras.
“Senhor, socorre-me!” é o grito daquele que deseja o alívio.
De quem tem um coração que crer;
Que se ver profundamente pequeno diante da
Majestade do Senhor que salva.
“Senhor, socorre-me!” é o grito do quebrantado que resfolega
Com sede de misericórdia;
Que sabe que um único gesto, um único olhar de Jesus
Poderá trazer vida onde reina o caos e a morte.
E Jesus parece aprofundar o nível de prova daquela mulher.
Lança mão de uma metáfora fatal.
Diz que um pai de família jamais tirará da boca dos filhos
O alimento para dar aos cachorrinhos.
Era fulminante aquela asseveração.
Todavia, ela num gesto de profundo reconhecimento,
Habitada por uma serenidade incomum, profere:
“Sim, Senhor, porém os cachorrinhos comem das migalhas que
Caem da mesa dos seus donos” (Mt 15. 27)
E Jesus se impressiona, numa exclamação admirativa:
“Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como queres”.
Eram somente essas palavras que ela desejava.
O Reino por onde passa leva a vida.
A fé no “Filho de Davi” salva, alivia, muda a história
De todo aquele que se achega a Ele com um profundo
Senso de pequenez e credulidade.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: 04 de dezembro de 2009, sexta-feira 20:41:35

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A Evolução da Pregação de Paulo

Quem presta atenção nos verbos que Lucas usa em Atos para designar as falas públicas de Paulo, observa uma progressão no poder de sua comunicação do Evangelho.
Em Atos se começa dizendo que logo após converter-se pregava afirmando...
Depois se diz que ele demonstrava...
Ainda a seguir se diz que ele expunha e discorria...
Então vem a fase do persuadir os homens...
E tudo isto acompanhado de demonstração do Espírito e de poder, por força de sinais, curas, milagres, libertações de espíritos malignos, e, sobretudo, de muita paixão, ao ponto que se diz que em Atenas, antes de discorrer e discutir com os filósofos, seu espírito se revoltava em face da idolatria reinante na cidade.
Ora, a palavra grega traduzida para “revoltava” era a mesma que designava um ataque epilético, tamanha era a intensidade de seu sentir e de seu interpretar da existência com os olhos de Deus.
Paulo crescera da pregação de afirmação pessoal de experiência para a demonstração de quem era Jesus.
A seguir sua intimidade com Jesus e com as Escrituras, se fundiram de um modo tão profundo, que ele simplesmente discorria sobre tudo que sobre Jesus se dizia em toda a Escritura.
Quando se diz que Paulo “expunha” sobre Jesus, se diz que ele arrancava Jesus do mistério das Escrituras e o lançava ante a face das pessoas.
Então, tudo criou uma síntese tão profunda e natural, e, mais que isto: tudo se fundiu num corpo tão sólido e único de entendimento, que, para Paulo, cada fala sobre Jesus, cada ensino, cada discussão, vinham carregados de persuasão, de uma lógica experiencial que se fazia acompanhar de uma lógica argumentativa, que, carregados pelo peso da paixão visceral que o possuía, não deixavam espaço para que alguém se equivocasse sobre a importância de vida ou morte do que aquele homem apresentava.
Quando o néctar do Evangelho fez sua síntese mais madura em Paulo, até os inimigos de sua mensagem usavam a palavra persuadir para designar o que ele fazia na cabeça das pessoas pelo poder do Evangelho.
Nosso desafio como gente que diz que quer viver e pregar o Evangelho é esse: que passemos da afirmação, para a demonstração, para o discorrer, para a exposição e, por fim, para o nível da persuasão, que é quando a autoridade no espírito é maior do que os argumentos e as lógicas.
Ora, isto só acontece no forjamento no caminho... Na Palavra. Na confiança nela. E, sobretudo, ousando crer que o que Jesus disse é verdade.
Então se vê...
Ora, é assim que nosso olhar pode se tornar como um bisturi que abre a existência... E a Palavra se torna cada vez mais espada em nossa boca.
É isto que também aprendo com Paulo.

Extraído DAQUI

Por Caio Fábio

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Para os que são hipócritas 23.1-39

Os fariseus eram a seita mais zelosa e radical que havia no judaísmo.
Eles surgiram no período hasmoneu, mais precisamente para ser aqueles que se guardariam incólumes contra todas as perseguições e desrespeito que a religião de Israel estava sofrendo por conta do selêucidas e ptolomeus.
O significado do termo fariseu queria dizer “separado”, “distinto”, dando a entender que eles eram detentores de uma irrepreensível vida de devoção e piedade.
Com o tempo, aquela busca de pureza foi se estreitando e se tornando em atitudes legalistas, carregadas de sordidez, arrogância e desvirtuamento do verdadeiro sentido para qual se vive a fé.
É perceptível nos Evangelhos que as palavras mais duras de Jesus não são dirigidas ao povo comum, “aos pequeninos”, como Ele mesmo chamava.
Mas, aos fariseus, os doutores da lei;
Aqueles que se arrogavam detentores do saber, do conhecer e do interpretar a lei.
Afinal, eles haviam se assentado na cadeira de Moisés, para judiciar acerca dos eventos da religião, acerca do era e do que não era.
O que mais me chama atenção neste texto de Mateus, eivado de dureza pelas palavras de Jesus, é o que diz respeito ao verdadeiro sentido da religião.
Porque a religião não deve ser utilizada para um bem próprio.
Jesus diz que eles se utilizavam da religião para mostrarem a si mesmos.
Construíam fardos pesados, cheios de uma gravidade aniquiladora, quando os mandamentos de Deus não são pesados.
Colocavam sobre os ombros dos homens o julgo da escravidão.
Por causa deles, o conhecimento de Deus se vestia de feiúra.
Eles adoravam serem bajulados, chamados de “mestres”, “pai”, “guias”;
Adoravam os primeiros lugares nos banquetes.
Desvirtuavam a importância dos rituais e invertiam o que era essencial na religião.
“Ai de vós, condutores cegos! pois que dizeis: Qualquer que jurar pelo templo, isso nada é; mas o que jurar pelo ouro do templo, esse é devedor.
Insensatos e cegos! Pois qual é maior: o ouro, ou o templo, que santifica o ouro?
E aquele que jurar pelo altar isso nada é; mas aquele que jurar pela oferta que está sobre o altar, esse é devedor.
Insensatos e cegos! Pois qual é maior: a oferta, ou o altar, que santifica a oferta?
Portanto, o que jurar pelo altar, jura por ele e por tudo o que sobre ele está;
E, o que jurar pelo templo, jura por ele e por aquele que nele habita;
E, o que jurar pelo céu, jura pelo trono de Deus e por aquele que está assentado nele” (vv.16-23).
Ou seja, eles coavam mosquitos e engoliam camelos (v.24).
Deixavam de lado o que era mais importante na carreira da religião e se enveredavam por discussões, interpretações, ilações, mixórdias caricaturescas do que de fato era o espírito da lei.
Porque os preceitos da lei eram “a justiça, a misericórdia e a fé”.
Jesus diz que neles haviam gestuais de piedade, mas no fundo eles não passavam de sepulcros caiados, de cemitérios ambulantes;
Eram como lápides bem adornadas;
Por fora possuíam beleza, branquidão estética na moralidade, flores para adornar, mas na interioridade de cada um deles habitavam desejos malignos, gestos de morte.
Haviam ossos de mortos no interior de cada um deles.
“Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade” (v.28).
A largueza deste texto é impressionante.
Jesus mostra o perigo que uma religião pode se petrificar e esquecer da vida.
Quando isso acontece, ela torna-se um ente que existe por si mesma.
Passa a viver de tradições vazias e melancólicas.
Pois, os fariseus viviam edificando túmulo aos profetas, enfeitando o túmulo dos justos.
Expressões estas que talvez não possuam um significado literal, posto que Jesus usa aqui uma figura de linguagem.
Ele apenas queria dizer que os fariseus viviam em todo tempo celebrando o passado.
Organizando por meios traditivos, rituais puramente desvinculados da verdadeira religião.
A lembrança era apenas uma desculpa para a empáfia.
Eles apenas queriam dizer que se vivessem nos dias dos profetas não teriam sido cúmplices do sangue que foi derramado.
No fundo, Jesus diz que o conteúdo daquela frase era vazia porque profetas seriam enviados, mas eles os matariam.
Ou seja, eram desculpas que não alimentavam a vida.
Tratava-se de um palavreado esdrúxulo.
“Portanto, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas; a uns deles matareis e crucificareis; e a outros deles açoitareis nas vossas sinagogas e os perseguireis de cidade em cidade” (v.34);
Essas palavras de Jesus não se limitam apenas aos fariseus daqueles dias – há mais de 2 mil anos atrás.
Elas estão presentes na história.
Afinal, onde existe uma religião, uma tradição e pouca abertura para se entender o que é a vida, existe a possibilidade da hipocrisia.
Hipócrita é o ator que falseia sentimentos, que se veste de devoção, mas que não preserva na alma aquilo que expressa com gestos, palavras e ações.
A hipocrisia engole a vida, sacrifica a piedade e se abeira do território da simulação.
Quantos não são os fariseus que ainda existem hoje em todos os setores da vida humana?
Desde o profissional liberal ao clérigo;
Do clérigo ao político imoral?

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: terça-feira, 14 de fevereiro de 2006, 9:37:03 M

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Salmo 1. 1-6 - A árvore que não murcha

O salmo 1 não está posto à toa como o primeiro do Saltério, o conjunto do livro. Ele, conforme a intencionalidade do autor, aponta dois caminhos excludentes: o caminho da felicidade (daquele que “medita dia e noite” na “lei do Senhor”) e daquele que age impiamente.
O salmista é lógico e objetivo na descrição de como “os perversos não prevalecerão no dia do juízo” (v.5).
Tal fato sugere uma espécie de triunfo transitório, pois ele diz que a estabilidade do perverso é como a da “palha”.
Ou seja, é regido pela instabilidade, em contraposição ao justo, que possui uma “folhagem” que “não murcha” (v.3).
O que se nota no salmo é a existência de dois blocos: (1) dos versículos 1-3; e (2) versículos 4 – 6.
O primeiro bloco expõe a felicidade do justo e sua permanência.
O segundo, a imperenidade e transitoriedade do ímpio.
Trata-se de um contraste, de duas possibilidades para o homem – a felicidade por meditar nas coisas de Deus ou a impiedade, que apesar de ter os seus “benefícios” é sempre transitória, pois existe um dia do juízo na qual todas as realidades serão medidas e avaliadas conforme a justiça da Palavra.
O que é interessante na primeira parte (vv. 1-3) é que o poeta ao escrever o salmo cria uma belíssima metáfora.
Ele sabia o que estava escrevendo.
Morador de uma terra seca e agreste, o salmista conhecia como ninguém os efeitos da escassez de água.
A paisagem desértica da Palestina treinou-lhe os olhos e a sensibilidade.
A vegetação ausente de água não se desenvolve com verdura e finca as raízes profundamente no coração da terra em busca de umidade.
Antes, as árvores carregam em si a dificuldade.
Muitas plantas que se adaptaram ao deserto, fizeram-no graças a um processo forçado e complexo de absorver também a parca umidade derramada pela brisa noturna.
Todavia, Davi diz que o justo, o homem “bem aventurado” é aquele que medita na lei de Deus.
Ou seja, a Palavra de Deus se torna um rio de vida para este homem.
Uma fonte, “uma corrente de águas” (v.3).
A conseqüência dessa árvore plantada junto à torrente de águas é a verdura, o viço, “a folhagem” que “não murcha”.
Essa árvore não é uma arvore que possui seus ciclos produtivos alterados.
Ela dá “o seu fruto” no tempo certo.
Diferentemente daquela árvore que foi amaldiçoada por Jesus (Mt 21), por ter somente folhas numa época em que deveria ter frutos, a árvore do salmista possui regularidade produtiva.
Ela tem fruto na estação certa.
É uma árvore que tem a sua vida orgânica arrumada, harmonicamente constituída.
Em todo tempo essa árvore será bem sucedida.
Ou seja, mostra-se aqui a perenidade desse efeito.
A experiência passa pelo entendimento.
O salmista diz que a experiência é a reflexão, a meditação.
Não se ver uma relação mística estabelecida com a Palavra.
Ela deve entrar pela mente e descer para o coração.
O homem feliz é aquele que encontra na Palavra um rio capaz de inundar a alma inteira – coração e mente.
Um outro fato é que esse poder conferido ao vegetal, não é algo em si à árvore.
O poder emana da água, dos nutrientes encontrados no líquido.
Em suma: esta é a lição imediata que vejo quando leio este belíssimo salmo.
É necessário para esta árvore está viva, ter a alma alimentada e regada pela Palavra do Evangelho.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: terça-feira, 30 de dezembro de 2008, 21:55:47.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A beleza e a autoridade do Reino - Mateus 7.28-29.

Lendo o contexto anterior a esses versículos, percebe-se claramente porque “estavam as multidões maravilhadas com a sua [Jesus] doutrina”.
No início do capítulo, ver-se que Jesus se assenta para ensinar aos discípulos, seguido de grande multidão.
De fato, o ministério de Jesus é marcado pelas grandes multidões.
Tanto era assim, que afirmam os evangelistas que era necessário ele se ausentar, buscar meios para ficar sozinho.
Naquela ocasião, diz Mateus que ele era seguido de grandes multidões e sentou-se com os discípulos e começou a proferir: “Bem-felizes são os humildes espírito, pois deles é o Reino dos Céus... Bem-felizes são os mansos, porque herdarão a terra... Bem-felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” e assim por diante.
As multidões ficaram deslumbradas, pois não se tratava de qualquer ensinamento.
Aquelas palavras saíam com graça.
Os fariseus e os escribas, como se pode ver no evangelho segundo João, chamam o povo de “plebe maldita”.
Percebe-se nisso que os fariseus e os escribas não tinham por costume ensinar ao povo os preceitos elementares da lei.
A lei para eles era sinônimo de poder.
Conheciam-na profundamente, e, por isso, arrogavam para si um respeito que era mais soberba do que virtude.
Naquela manhã, Jesus assenta-se na colina relvada para ensinar aos discípulos as Palavras concernentes às coisas do Reino.
E elas brotam com toda beleza e desenvoltura.
Jorram com cadência, com formosura, com simplicidade.
Jesus verbaliza sobre o poder de influência do cristão e a responsabilidade de cada um dos seus seguidores no mundo.
Ser cristão é ser “sal da terra e luz do mundo”.
Tal assertiva possivelmente deve ter desnorteado os presentes.
Os recursos didáticos de Jesus eram “corriqueiros” (não falo banais).
Faziam parte do dia do povo.
Ele colocava como matéria homilética o sal, a lamparina, o lírio, o pardal, o cabelo, o côvado, o pão, a pedra.
Os arrazoados surgiam como figuras e imagens claras e compreensivas.
Não havia quem não entendesse.
O povo estava na mensagem.
A mensagem era para o povo.
Para que todos percebessem e sentissem.
Para que todos ouvissem e se abismassem.
O mundo precisava saber que a ética do Reino não tratava de realidades externas.
Não tratava de gestuais.
O Reino estava ali.
A força do Reino não podia ser parada.
O amor era a nova força que impulsionaria as relações.
Havia uma moral estabelecida pelos religiosos que conduzia os homens a uma ética conveniente.
Um tipo de postura que fazia distinções entre homem e homem.
Jesus afirma que a nova ética do Reino não faz separações, distinções.
Ela impulsiona os homens a levarem a capa por mais de um quilômetro.
Com essa nova força, seria possível – com radicalidade – oferecer a outra face.
Seria possível ao homem descansar, pois “nem mesmo Salomão em toda a sua glória, foi capaz de se vestir como um lírio que nem fia nem tece”.
Que os pardais que não se preocupam em ganhar a vida nunca pereceram, porque o Pai que está nos céus os alimenta.
Os homens que são maus sabem dá boas dádivas aos filhos, quando estes pedem pão.
O que Deus , o Pai da Misericórdia, não daria àqueles que O pedissem algo!
Ele fazia chover sobre justos e injustos.
O sol se levantava sobre bons e maus.
Jesus diz ainda que é preciso saber construir.
Que era preciso construir as esperanças numa rocha, pois fazê-lo em solo arenoso era demasiado imprudente.
Possivelmente, estivesse fazendo uma comparação indireta com os fariseus.
A doutrina dos mestres em Israel não tinha a base sólida que “a Sua doutrina” possuía.
Tal fato impressionou os presentes.
A sua “didaquê” (doutrina em grego) não tinha os conteúdos sofisticados daqueles que ensinavam e se arrogavam mestres.
Ela não era complexa (em sentido estrito), mas em compensação, os valores tratados e estimulados eram densos, altos, sublimes.
Mateus diz que “ele as ensinava [as multidões] como quem tem autoridade”.
Ou seja, Jesus estava cheio do poder e da autoridade divinos.
Ele viera inaugurar uma nova ordem, um novo tempo no qual o que deveria reinar seria o amor, a justiça e a misericórdia do Reino de Deus.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: domingo, 4 de janeiro de 2009, 00:55:32

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Literatura e Experiência de Deus

Este texto saiu na edição de 8 de maio de 2009 do Correio Braziliense. Li-o e julguei-o oportuno para um compartilhamento. Lá vai! Boa leitura!


Pela literatura, o verbo se faz carne. Embora a música seja, na minha opinião, a mais sublime das artes, a literatura é a mais sagrada. Deus a escolheu para, através dela, se revelar a nós. Escolheu uma escrita, a semítica, e um gênero próximo da ficção, pois em toda a Bíblia não há uma única aula de teologia, um ensaio doutrinário, um texto conceitual. É toda ela uma narrativa pictórica – vê-se o que se lê. Os livros bíblicos reúnem uma sucessão de fatos históricos e alegóricos (parábolas, metáforas, aforismos), entremeados de genealogias, axiomas, provérbios, poemas (Cântico dos Cânticos e Salmos) e detalhes técnicos e ornamentais (a construção do Templo cf. 2 Crônicas). Como frisa Herbert Schneidau, a Bíblia pode ser considerada "prosa de ficção historicizada". Historicizada porque se distancia do universo das lendas e dos mitos, embora haja matéria-prima lendária subjacente ao Gênesis no relato sobre Davi, na saga de Jó e em parte dos Livros dos Reis. Os autores bíblicos se afastaram, deliberadamente, do gênero épico (Homero e Virgílio), o que se explica pela rejeição do politeísmo. O que impregna a escrita bíblica é o senso de historicidade. Ela rompe com a circularidade do mundo mitológico e apresenta-nos um Deus que tem história: Javé, o Deus de Abraão, Isaac e Jacó. Nela a historicidade se faz presente na descrição dos cinco primeiros dias da Criação, antes do surgimento daquele que viria a ser considerado o protagonista do processo histórico: o ser humano. Há uma evolução, simbolizada na sucessão dos seis dias. O que faz de nós imagem e semelhança de Deus é a capacidade de amar e a linguagem. Animais também amam, tanto que certos pássaros, como os pardais, se mantêm fiéis após se acasalarem. Mas somente o ser humano possui um nível de consciência que lhe permite ordenar e expressar sentimentos, emoções, intuições e afetos. Isso nos faz semelhança divina. Deus é amor e seu afeto por nós se manifesta na linguagem contida na narrativa bíblica e na epifania do Verbo que, entre nós, se fez carne. A escrita é uma forma de tentar organizar o caos interior. Por isso, todo artista é clone de Deus. A escrita é terapêutica, libertadora. Hélio Pellegrino, psicanalista, atribuía a minha sanidade mental no decorrer de meus anos de prisão ao fato de eu ter literalizado a vida de cadeia. O meu mundo é recriado quando lanço mão de vocábulos e regras sintáticas para dar forma e expressão ao que penso e sinto. Assim, transubstancio a realidade, projeto-me em algo que, fora de mim, não sou eu e, no entanto, traduz o meu perfil interior de um modo que eu jamais conseguiria pela simples fala. A escrita constitui uma forma de oração, como bem sabia o salmista. A experiência de Deus antecede e ultrapassa a escrita. No entanto, o pouco que dela se sabe é por meio da escrita; raras vezes por experiência pessoal. Grandes místicos, como Buda, Jesus e Maomé, nada escreveram. O que sabemos deles e de seus ensinamentos é graças a quem teve o trabalho de redigir. Ainda que o próprio místico possa fazê-lo, como são exemplos Plotino, Mestre Eckhart e Charles de Foucauld, há um momento em que a experiência de Deus ultrapassa os limites da palavra. É inefável. Como diz Adélia Prado, "Se um dia puder, nem escrevo um livro" (Círculo). "Não me importa a palavra, esta corriqueira, / Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe, / A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda / foi inventada para ser calada. / Em momentos de graça, infreqüentíssimos, / se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão. / Puro susto e terror (Antes do nome). João da Cruz, patrono dos poetas espanhóis, deixou três de seus quatro livros inacabados. Tomás de Aquino considerou, após seu êxtase em Nápoles, que toda a sua obra não passava de "palha". E não mais escreveu.
Há no enfoque adeliano uma empatia com o poema Ash-Wednesday (Quarta-feira de Cinzas), de T.S. Eliot, escrito em 1930, três anos após a conversão do poeta ao cristianismo. Na quinta parte, Eliot canta que "a palavra perdida se perdeu", "a usada se gastou", mas perdura no "Verbo sem palavra, o Verbo. Nas entranhas do mundo". Toda poesia de qualidade é polissêmica. É verso que faz emergir nosso reverso. É canto que encanta, desdobra em múltiplo o nosso ser e nos induz a encontrar aquela pessoa que realmente somos e, no entanto, em nós reside como um estranho que provoca temor e fascínio. É à poesia que o apóstolo Paulo recorre quando, no discurso no Areópago (Atos dos Apóstolos 17, 28), expressa a nossa ontológica e visceral união com Deus: "Nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dos vossos, aliás, já disseram: ‘Porque somos também de sua raça’." Trata-se de uma citação livre da obra Fenômenos, de Arato, poeta que viveu na Cilícia no século III a.C. O texto originário é: "Comecemos com Zeus, de que nós mortais nunca deixamos de lembrar. Porque toda rua, todo mercado está cheio de Zeus. Mesmo o mar e o porto estão cheios da divindade. Em todo lugar todo mundo é devedor a Zeus. Porque somos, na verdade, seus filhos... (Phaenomena 1-5)."

BETTO, Frei. Literatura e Experiência de Deus. Caderno Opinião. Correio Brazilinse. 8 mai 2009. p. 19.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Abraão e a fé

Tenho lido a Bíblia de forma ordinal, de maneira que possa vencê-la toda em 1 ano. Ao chegar à história de Abraão e ler a saga épica do patriarca, impressionei-me. Não é à toa que é chamado de “pai da fé”. Passei a semana inteira pensando no quanto a fé é o elemento mais radical àquele que caminha na História.
Recorri à carta aos hebreus, precisamente o capítulo 11, também conhecido como “galeria da fé”. Encontrei a afirmação: “Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que deveria por herança; e partiu sem saber aonde ia” (Hb 11.8). Quando leio tal assertiva, imagino a figura do Abraão histórico, contingente. Segundo os próprios relatos bíblicos, o patriarca era imensamente abastado. Vivia em Ur dos caldeus, cidade encravada na Mesopotâmia. Possivelmente vivesse em clãs e tivesse uma condição econômica favorável. Isso fica evidente no episódio com Ló, seu sobrinho. Os dois estavam caminhando junto pelo deserto. A Bíblia informa que cada um teve que tomar o seu caminho por conta da quantidade de animais que possuíam. Era impossível os dois continuarem juntos. Cada um foi para o seu lado. Todavia, enquanto morava em Ur Abraão surgiu com a notícia amalucada de que necessitava partir para uma terra distante. Ao que indagaram:
- Abraão, onde fica essa terra?
Ao que ele respondeu:
- Não sei!
Tal afirmação quando julgada pelo bom senso constitui uma grande loucura. Ser senhor, rico, abastado, gozar dos privilégios inerentes à condição que se alcança com o resultado do próprio trabalho é motivo para uma alegria que surge de um senso de estabilidade. Não o foi para Abraão.
O velho Abraão, pois já havia passado dos 70 anos, ainda esclareceu que seria pai de uma grande nação. Todos sabiam que ele era casado com uma mulher infértil – Sara – e que já havia passado do tempo de gerar filhos. Alguns dos seus devem ter rido. A história dessa saga deve ter suscitado burburinhos, fofocas, especulações a respeito dos sentimentos incertos de Abraão.
“Partir sem saber para onde vai” é uma atitude impensada para o homem natural – empregando o termo paulino (1 Co 2.14). Não para o homem da fé. O homem da fé é desafiando a caminhar na História tateando o invisível. Mesmo não vendo, não apalpando o sonho que é apenas expectativa, o homem que caminha por fé, sabe para onde está indo. Ninguém entende as suas intenções, sonda-lhe os paços, todavia, as suas pegadas tem um destino certo.
Kierkegaard escreveu no seu livro Temor e Tremor que “a fé é o que sobra quando tudo acaba” e que o homem da fé é um “cavaleiro de esperança”. Nesse livro, o filósofo dinamarquês reflete o episódio de quando Abraão leva o seu filho Isaque, o filho da promessa, para ser imolado no monte Moriá.
O patriarca assim se constitui no modelo de substantivação da radicalidade da fé. Mesmo não vendo, mesmo caminhando sem destino aparente, os seus olhos estavam cheios de luzes e convicções fortalecidas. A incondicionalidade de sua fé era uma força que rechaçava as realidades físicas. Mesmo quando obedece a Deus com o fim de sacrificar Isaque, ele o faz por fé (Hb 11.17-19).
Por isso, paço a ser entendedor que mais que certezas, é preciso ter fé. É a fé que solidifica os paços, aplaina as convicções, motiva a caminhada para o destino certo.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: Segunda-feira, 06 de abril de 2009.

sábado, 18 de abril de 2009

Meditações - Luís Felipe Pondé

Achei em meus arquivos esta entrevista realizada pela Revista Cult com o filósofo Luís Felipe Pondé - mais uma vez sobre Blaise Pascal. O filósofo tinha como referência do sua epistemologia teológica a condição do homem perante o Infinito. Boa leitura!

(...) Ao contrário do que se propaga o senso comum, que distingue Pascal como um cientista que larga a razão para se dedicar à religião, a espiritualidade sempre esteve presente na vida de Pascal. Mas dói a partir de sua conversão ao jansenismo que a religião se tornou ainda mais evidente em sua obra.
O contato mais intenso de Pascal com a religião se dá por influência de sua irmã, que se tornara freira na abadia de Port-Royal. Além disso, algun fatos marcaram definitivamente o direcionamento espiritual na vida de Pascal, como a morte de seu pai e a “milagrosa” cura de sua sobrinha, que sofria de uma fístula lacrimal maligna. Essa recuperação ocorreu quando ela, desenganada pelos médicos, tocou o Santo Espinho que existia em Port-Royal. Entretanto, essa fase da vida de Pascal é rica em especulações. Para alguns, a sua conversação aconteceu quando escapou ileso de um acidente com uma charrete; para outros, o cientista abraçou a vocação religiosa após ter visões.
O fato é que a partir daí, em 1653, Pascal abandona seus trabalhos e estudos matemáticos para se voltar à teologia. Nesse período, seus textos apologéticos se direcionam para críticas aos jesuítas e a Descartes. Pascal achava que os jesuítas reduziam a religião a ritos e dogmas, sem se preocuparem com a reflexão metafísica. Estes escritos estão em Cartas Provinciais, um conjunto de dezoito cartas em defesa do jansenismo. Sobre Descartes, registrou: “Não posso perdoar Descartes; bem quisera ele, em toda a sua filosofia, passar sem Deus, mas não pode evitar de fazê-lo dar um piparote para pôr o mundo em movimento; depois do que, não precisa mais de Deus”.
Para discutir a questão da influência do jansenismo na obra de Pascal e de como seu trabalho se opôs e se opõe ao pensamento cartesiano, a CULT conversou com Luís Felipe Pondé, filósofo e professor do Programa de Estudos Pós-graduados e Ciência da Religião da PUC-SP e de comunicação da Faap. Ele é o autor de O Homem insuficiente: comentários de antropologia pascaliana (2001), Conhecimento na Desgraça: ensaio de epistemologia pascaliana (2004), ambos pela Edusp, e de Crítica e Profecia: Filosofia da religião em Dostoievski (2003), pela Editora 34.

CULT – De que maneira a religião está presente na obra de Pascal antes de sua aproximação do pensamento jansenista?

Luís Felipe Pondé – É difícil falar em obra antes da aproximação com o jansenismo, porque mesmo em momentos iniciais, como sua perseguição ao clérigo Saint Ange (Jacques Forton, senhor de Saint-Ange-Montcard, com quem Pascal teve suas primeiras discussões teológicas), já há uma tendência agostiniana; se o jansenismo venceu em parte da comunidade intelectual cristã francesa do século 17, é porque já havia – inclusive por conta da sensibilidade calvinista forte na França, e o jansenismo é muito próximo do calvinismo em termos de espiritualidade – uma predisposição espiritual para tal. O Pascal importante é já jansenista, mesmo que o cientista e matemático já “brincasse” há muito tempo.

CULT – Talvez alguns dos conceitos mais “populares” de Pascal sejam os matemáticos. O senhor acha que esse lado do trabalho dele seja menor de o compararmos com sua herança para a filosofia?

L.F.P – Quero dizer que ele era tão bom em matemática que mesmo criança brincava com isso e assustava seu pai e seus amigos matemáticos e filósofos. De modo algum o Pascal matemático é menor, ele é fundamental em probabilidades, nas bases do cálculo infinitesimal, matrizes, geometria etc. Outra coisa: para ele isso era “brincadeira” porque tudo era divertissement (divertimento) para ele, mesmo a filosofia ou qualquer atividade intelectual. Lembre-se, segunda concupiscência, Agostinho, curiosidade vã do intelecto. Conta-se que quando ainda era criança seu pai o pegou deduzindo tudo o que se sabia da geometria euclidiana, e que ficou e, pânico com medo que o menino pirasse e proibiu seus amigos de falarem com ele para não piorar sua situação mental.

CULT – Como foi possível a ele promover uma conciliação entre sua obra antes e depois de sua conversão ao jansenismo?

L.F.P – Sua obra “posterior”, ou sua obra tout court, é um desdobramento que põe em diálogo a sensibilidade teológica jansenista com sua cultura filosófica e de ciências naturais e matemáticas; não acho um problema essa “conciliação”, porque não é a rigor uma “conciliação”, mas uma efetivação de uma obra que encontra na espiritualidade jansenista um campo para a crítica ao humanismo antropocêntrico. Quando ele escreve, ele já escreve como jansenista.

CULT – Como essas mudanças na vida e na obra de Pascal foram vistas por cientistas de seu tempo?

L.F.P – Muitos cientistas a sua volta partilhavam de atitudes religiosas semelhantes ou contrárias, mas ainda assim dentro do escopo religioso. É importante lembrar que controvérsias teológicas eram dadas dentro de ambientes filosóficos e científicos, muitos eram padres e não leigos como Pascal – na obra dele mesmo temos cartas e padres cientistas; o foco maior de disputa era a base teológica. Pascal era um cientista de sucesso em sua época, com sua pouca idade. Contudo, e isso é uma questão complexa para pouco tempo e espaço, é que sua teoria da ciência – ou sua epistemologia – é bastante avançada para sua época e aí está parte de sua crítica à lógica, geometria e físicas de cepa “fundacionalistas” ou essencialista de viés cartesiano. Sua lógica é muito mais formal e bem menos conteúdista, e muito mais de nomes do que de entes; a raiz disso é sua teologia agostiniana da insuficiência do homem em fazer algo além do que conhecimento local. Também entra aí sua crítica à linguagem, que é muito próximo às críticas neopragmáticas e wittgensteinianas. Mas no caso de Pascal, toda essa inconsistência cognitiva é fruto da desgraça teológica; sua ciência está dentro de sua teologia.

CULT – A questão da religião em Pascal o tornou uma espécie de “caso” na história da filosofia, por oposição a Descartes?

L.F.P – Não, Pascal não é quem é porque se opôs a Descartes. Inclusive para ele, este era “incerto e inútil”. A idéia nietzschiana de que Pascal era um grande moralista ( no sentido de um anatomista da alma e da moral), mas infelizmente atormentado pela religião, é típica dos reducionismos errados de Nietzsche e de autores similares ao que poderíamos chamar de um intelecto religioso como o do Pascal. A religião em Pascal é o centro de sua preocupação, e daí que parte sua antropologia, sua moral, sua política e sua espistemologia. Sua oposição teológica é ao humanismo de cepa renascentista do tipo “Pico de La Mirândola”. Descartes representa pouco nesse cenário. Para Pascal, Descartes era apenas um filósofo-cientista, que não sabia ao certo qual era o problema do ser humano, alguém que se divertia com objetos pouco produtivos em termos de salvação humana, leia-se, em termos de um aumento da consciência filosófica da condição humana. Pascal é uma ancestral do existencialismo e do pensamento da angústia. Para ele, Descartes era um ilustre e inteligente equivocado.

CULT – Foi ele o primeiro crítico da razão?


L.F.P – O termos “razão” é variável na história da filosofia. Pascal não é o primeiro crítico da “razão”, mas é o primeiro no período mais próximo a Descartes e, por ser matemático e cientista prático, sua crítica pesa muito.

CULT – O pensamento de Pascal consegue manter um diálogo com as questões contemporâneas?

L.F.P – Sim, muitas, não dá para falar delas aqui, mas seguramente com a lógica formal e axiomática, com o neopragmatismo, com o ceticismo, com descrença no ser humano, com o ceticismo político – críticas da democracia -, com a psicologia profunda de cepa freudiana – seu pessimismo com relação à estrutura psíquica humana e não à coisa sexual -, com crítica ao hedonismo materialista, à cultura da auto-estima – essa coisa brega que está virando objeto da academia – etc.

CULT – O senhor considera que a obra de Pascal é devidamente reconhecida nos dias de hoje?

L.F.P – Ela está em processo de reconhecimento. É uma obra difícil e pouco trabalhada no Brasil. Sua teologia dura e “anti-humanista”, pouco simpática ao humanismo hedonista de nossa época, tende a assustar as pessoas. Todavia, qualquer pessoa que gosta de pensar a condição humana a sério em Pascal tende a trabalhá-lo.

CULT – E em outros países, como é esse cenário?

L.F.P – Na França, evidentemente, é muito trabalhado. Fora de lá, Inglaterra um tanto. No Japão, há um scholar pascaliano. Não há nenhum trabalho que eu conheça importante publicado sobre Pascal fora da França. Seu pessimismo antropológico é que afasta muita gente dele e não sua matemática.

CURI, Fabiano (jornalista). Meditações. REVISTA CULT. Número 88, Ano VII, pp. 58-60.

segunda-feira, 30 de março de 2009

A Aposta de Pascal segundo Pondé

Esse fragmento é parte da entrevista do filósofo Luiz Felipe de Cerqueira Pondé concedida à Revista Filosofia - Ciência e Vida, edição no. 27, de outubro de 2008. Resolvi postar, pois trata de um dos assuntos mais relevantes para cada ser humano: a existência de Deus. Deus existe? Para Pascal, a dependendo da resposta que dermos a essa resposta estaremos atraindo para nós implicações de dimensões eternas. Matematicamente, sempre que apostarmos, perderemos. Então, baseado nesse fato, é melhor crer e não apostar, pois se apostarmos e perdemos a aposta, não perdemos apenas a aposta, perdemos a própria vida ao lado da luz.


Filosofia - Você estudou Pascal por bastante tempo. Como inserimos o seu pensamento na lógica pós-moderna? Como a aposta pascaliana nos ajuda a entender a religiosidade atual?

Pondé – Pascal é um homem do século XVII vendo nascer a modernidade e já apontando para as suas fraturas. Em seus escritos, ele diz algo como “espaços infinitos que me apavoram. Deus não está mais em lugar nenhum. A natureza não é mais a manifestação de Deus, é tudo pedra atraindo-se e repelindo-se ao mesmo tempo”. Ele também é um crítico do racionalismo, proferindo a frase que virou samba aqui no Brasil, “o coração com sua razão tem razões que a própria razão desconhece” e dizendo que “Descartes é incerto e inútil”.
Pascal era um matemático, está nas bases do cálculo de probabilidade, no cálculo infinitesimal, era cientista de fato. Sua aposta consiste no seguinte: se você apostar que Deus não existe e viver como se Deus não existisse, aparentemente você ganha, porque fez o que quis da sua vida. Agora, se aposta que Deus não existe, e Deus existir, aí perde tudo. Porque a sua vida aqui é finita, mas você vai perder infinitamente no pós-morte. Isso quer dizer que racionalmente, do ponto de vista matemático, a crença em Deus é muito melhor do que a descrença em Deus, porque Deus existir você perde a sua condição infinita. Com isso ele quer provar que, toda vez que você aposta contra o infinito, você perde. E como o infinito está em jogo, ou seja, a imortalidade da alma, apostar contra ela te leva sempre a perder, porque ela é infinita... Mas o problema é que no final desse fragmento de Pascal chamado “Infinito Nada”, seu interlocutor diz: “eu sinto muito; concordo com você, mas não consigo acreditar”. A conclusão dele é que a razão é tão incerta e tão inútil que, mesmo que seja racional e matemático acreditar em Deus, você não acredita por causa disso. Logo, ele pensa que acreditar em Deus é uma questão de Graça. Ou você tem ou você não tem, não tem nada de racional. E isso é uma ideia de Pascal, é uma ideia clássica do cristianismo.

Filosofia – Mas isso é um Deus ex-machina que acaba com qualquer argumentação.

Pondé – Ele elimina o debate porque, aparentemente, não importa o que você pensa, é Deus quem determina o que você acredita. Por outro lado, Ele ilumina as incapacidades da razão em determinar os afetos, por exemplo. Ele esclarece a incapacidade racional em determinar a vontade (e esse é o foco da aposta), e produz um debate monstruoso sobre a insuficiência do ser humano. A razão resolve pouco, mas não os problemas básicos do ser humano. Ele consegue resolver problemas de esgoto, por exemplo, mas não consegue resolver o pânico do medo de morrer de diarréia.
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PONDÉ, Luiz Felipe de Cerqueira. A liquidez do pântano Pós-Moderno. Filosofia - Ciência e Vida. Edição no. 27, outubro de 2008, Editora Escala.

segunda-feira, 16 de março de 2009

O reino que se assemelha a um tesouro oculto – Mt 13.44

O capítulo 13 de Mateus trata especificamente sobre as parábolas do Reino de Deus.

A definição, segundo o Aurélio, para o termo parábola é que esta forma literária

É uma “narração alegórica na qual os elementos evocam, por comparação, outras realidades de ordem superior”.

Jesus foi os dos maiores mestres neste estilo.

Ninguém conseguiu sintetizar com tanta exatidão, engenhosidade e beleza, sempre se posicionando numa perspectiva escatológica, como Jesus.

No texto em questão, os discípulos interpelam Jesus acerca do porquê o Mestre os ensinava por esse meio tão pouco claro para alguns(10).

Desde o início do capitulo 13, Jesus ensina às multidões por parábola, “porque vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem, nem entendem” (v. 13).

Essa era a explicação: para que se cumprisse os profetas (vv. 14-16).

Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado” (v.11).

De modo que trata-se de um "capítulo parabolar" aonde Jesus explicita com bastante clareza para os discípulos o efeito “explosivo do Reino de Deus” que não podia ser detido.

Isso é visto, por exemplo, na parábola do grão de mostarda e do fermento (vv. 31-33).

Elas sintetizam esse poder de crescimento.

De uma pequena semente, mostarda, uma grande árvore se forma e nela se aninhava as aves do céu nos ramos;

Do fermento e de suas propriedades químicas, uma emulação se daria a ponto de fazer crescer toda a massa.

O Reino do Céu era um pão de trigo, que por mais minúsculo que aos olhos do observador afastado não represente muito interesse, quando pronto torna-se em algo grande, crescido, apetitoso.

De modo, que ao final daquela instrução tão interessante e tão criativa, os discípulos observavam que Jesus se utiliza de aspectos extremamente simples e corriqueiros e os transforma em verdades teológicas de grande profundidade espiritual – o semeador, a rede de pesca, o caçador de pérola, o fermento que é trabalhado pela dona de casa, o grão de mostarda, algo tão costumeiro para os homens daquele tempo, e pergunta aos discípulos:

“Entendestes todas estas coisas? Disseram-lhe eles: Sim, Senhor”.

Não havia como não entender aqueles arranjos tão belos, aquelas ilações tão descomplicadas, aqueles comparações tão objetivas, aquelas conclusões tão sintéticas, mas de mergulhos tão interessantes.

Ao final, eles apenas afirmam, numa concordância muda e tácita: “Sim, Senhor.”

Simplesmente, não há o que falar.

No versículo 44, Jesus se utiliza de uma das mais belas parábolas encontradas nas Escrituras – a parábola do tesouro escondido.

Ele afirma que o Reino dos Céus é semelhante a um tesouro que está oculto no campo, o qual certo homem estando a trabalhar na terra, acaba por encontrar o tesouro, sai “transbordando de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo”.

E nisso aqui está um dos mais belos ensinamentos existenciais que são ensinados nas Escrituras.

Aqui mostra como se porta aquele que acha no coração as verdades, o tesouro, atinentes ao Reino de Deus.

Ele vai e emprega tudo o que tem para a aquisição daquele tesouro.

Ou seja, despende forças, reuni desejos e passa a viver para aquele tesouro, que passa a ser a razão da sua existência.

Lembro-me aqui do apóstolo Paulo em Filipenses 3.8.

Paulo diz: “E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo”.

Ele diz que após ter achado o tesouro, todas as demais coisas tornaram-se “escória”, “refugo”, “resto”, “rebotalho” ou qualquer coisa desprezível.

Ou ainda num sentido mais radical: como “estrume”, “esterco” ou “fezes”.

Paulo passou a considerar todas as demais coisas que não imprimiam na alma os valores desse tesouro, como fezes, como dejeto humano, como qualquer evacuação.

Esse é o sentido mais radical da firmação de Jesus.

Aquele que acha o tesouro escondido do reino, vai, vende, deixa todas as relações, todos acordos hediondos promovidos pela cegueira que mente para a vida e passa a se dá para esse tesouro.

A alma dele enche-se de alegria.

Mesmo não tendo nada aos olhos os humanos, aquele que achou esse tesouro, tem tudo.

A sua existência passa a ser de alegria.

Ele passa a viver para esse tesouro maravilhoso.


Por Carlos Antônio M. Albuquerque.

Data: Quarta-feira, 11 de janeiro de 2006, 9:26:37 M

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Reflexões sobre o que fui e o que serei


Ás vezes parece que a vida se rarefaz na altitude

De existir no hoje com a lembrança do que se foi no ontem.

Parece que tenho dentro de mim a senha secreta

Da nostalgia do que já fui, mas perdi.

A vida sugestiona a amplidão dos séculos e me conduz

Aos dias da perfeição.

A lembrança dos dias do Paraíso-da-perfeição estabelece-se dentro de um quadro de imperfeição.

O imperfeito hoje, já vestiu-se de perfeição no passado.

Dizem: “o passado não conta”.

Para mim o passado conta e conta porque perdi o que tive

Para ganhar o que tenho.

O mais estarrecedor neste corte transversal de contingência

É a certeza de que o que tenho, causar saudades

Do que fui, mesmo sabendo que no que fui, terei ainda mais do que hoje sou.

O que fui não mais serei, porque do passado guardamos apenas a memória esfarelada do que fomos e do que se vivenciou.

Eu não estava lá jardim, mas era como se lá estivesse.

Eu não comi do fruto da proibição, mas parece que ainda sinto o seu gosto adocicado e o seu poder de me abrir os olhos.

Porque eu sou o Adão do hoje a lamentar pelo que não fui ontem.

Quando lá comeram o fruto, tornaram-se mais humano e menos humano.

Menos humano, porque perdeu-se a perfeição do projeto tracejado para ser-o-que-se-deveria-ser.

Mais humano, pois passou a se experimentar da outra humanidade alienada e ausentada da graça e sujeita à ira.

Era luta do tentar ser-quem-não-podia-ser, mas que se transformou em ser.

Mas o que me intriga é que essas coisas ainda voam dentro de da gente, no nosso eu-histórico-no-hoje,

Mesmo sabendo que eu não estava lá.

“Miserável homem que sou, quem me livrará do corpo desta morte?”

Não tenho o que tive para adquirir o que sou, mas ainda sinto saudades do que fui.

Parece que me fio dentro de uma roda gigante de confusão que me faz descer e subir nessa gangorra histórica, entre o que fui, o que sou e o que serei.

O que me impressiona é que agora eu tenho a graça, mas aquilo que é graça não dá crédito para mim e nisso ainda busco viver a promessa que me fizeram de

Que eu seria igual a Deus.

Se busquei ser igual a Deus, busquei me divorciar da submissão de ser-com-Deus.

Ser-com-Deus sugere submissão a Deus e curvar-se a Deus sugere viver-para-Deus.

Não quis me prostrar e nem curvar a Deus, porque eu quis ser igual a Deus.

Ainda hoje sinto o travor do que se tornou aquele fruto.

São coisas que sinto.

Me fiar no passado me faz sentir o cheiro do que tive mas perdi e ao mesmo tempo me puniciar por ser o que sou, esquecendo do que serei.

A promessa é graça.

Graça não confere crédito a mim, daí, me escondo em mim mesmo e me alimento do embelezamento do que fui e do que podia vir a ser.

O Éden está perdido, o labor, os cardos e os abrolhos provam isso;

A minha sede em ser o que fui e o meu lamento em perder o que prometeram que eu seria prova isso.

Mas eis que a limpeza foi feita na cruz.

Me prometeram um outro ser aonde eu-serei-o-que-planejaram-para-eu-ser, antes mesmo que eu deixasse de ser.

Lá a nostalgia acusadora é exorcizada e riscada dessa agenda que está inscrita em mim.

Eu serei mais do que sou, e nem por isso tornarei a ser o que sempre desejei ser, porque o que foi é passado e do passado só temos lembranças.

Então devo ignorar o passado?

O passado é apenas o que foi e o que não têm poder de, por si mesmo, transmudar-se em presente.

Afinal, o que foi não mais é.

O que é pode não vir a ser.

Mas o meu papel dentro do hoje histórico é ser-em-Cristo, porque ele tem as palavras da vida eterna.

Ele tem o que eu preciso, para viver o hoje, esquecer o que fui e me agarrar ao que serei.

Em Cristo há o escorrer do que já se foi e o renovar do que virei a ser.

Cristo em mim é a esperança da glória.

O que serei não pode ser roubado ou manchado pelos sonhos frustrados.

Pois Cristo me deu os seus sonhos.

O que eu era já foi.

O que conta é o que eu-sou-e-o-que-serei-em-Cristo.

Amém!

Por Carlos Antônio M. Albuquerque

Data: 30/11/2003 13:42:41, domingo.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

De heldercamara@ceu.com para amigos e amigas

Queridos, estivesse entre vocês, a 7 de fevereiro comemoria 100 anos de idade. Quis o bom Deus, entretanto, antecipar-me a glória de desfrutar Sua visão beatífica. Aliás, o céu nada tem daquela imagem idílica que se faz na Terra. Nada de anjos harpistas e nuvens cor-de-rosa, embora a música de Bach tenha muita audiência.
Entrar na intimidade das três Pessoas divinas é viver em estado permanente de paixão. Arrebatado por tanto amor, o coração experimenta uma felicidade indescritível.
A propósito, outro dia, Buda, de quem sou vizinho, me contou esta parábola que bem traduz o caminho da felicidade: numa feira da Índia, entre tantos restos de frutas e legumes, uma mulher fitava detidamente o chão. Viram que procurava algo. Um e outro perguntaram o quê. “Uma agulha!” Não deram importância. Porém, quando ele acrescentou que se tratava de uma agulha de ouro, multiplicou o número dos que a auxiliavam na busca.
Súbito, um deles perguntou: “A senhora não tem ideia de que lado da feira a perdeu?” “Não foi aqui na feira”, respondeu a mulher, “perdi-a em casa”. Todos a olharam indignados. “Em casa? E vem procurar aqui fora?” A mulher fitou-os e retrucou: “Sim, como vocês procuram a felicidade nas coisas exteriores, mesmo sabendo que ela se encontra na vida interior”.
O céu é terno, o que não impede que experimentemos indignações. Jesus não fez a fome e a sede de justiça figurar entre as bem-aventuranças? Quando olho daqui para a Igreja Católica, confesso que sinto, não frustração, mas uma ponta de tristeza. O papa Bento XVI não transmite alegria e esperança. Faltam-lhe o profetismo de João XVIII e a empatia de João Paulo II.
Padres cantores atraem mais discípulos do que aqueles que se dedicam aos pobres, aos lavradores sem-terra, às crianças de rua, aos dependentes químicos. Nas showmissas, os templos ficam superlotados, enquanto nos seminários o ensino de filosofia e teologia costuma ser superficial.
A vida de oração não é estimulada, muitos buscam o sacerdócio para obter prestígio social e, por vezes, o moralismo predomina sobre a tolerância, o triunfalismo supera o espírito ecumênico. Até quando homossexuais serão discriminados por quem se considera discípulo de Jesus?
Alegra-me, porém, saber que as Comunidades Eclesiais de Base estão vivas e se preparam para realizar o seu décimo segundo encontro interclesial, em Rondônia, no próximo julho. Dou graças a Deus ao constatar que o Centro de Estudos Bíblicos (Cebi) conta com mais de 100 mil núcleos espalhados pelo Brasil, intergrados por gente simples interessada em ler a Bíblia pela ótica libertadora.
Preocupa-me, entretanto a polêmica entre os irmãos Boff. Tanto Leonardo quando Clodovis são teólogos de sólida formação. Não considero justa a acusação feita por Clodovis de que a Teologia da Libertacão teria priorizado o pobre no lugar do Cristo. O próprio Evangelho nos mostra Cristo identificado com os probres, como ocorre na metáfora da salvação em Mateus 25.31-46.
Francisco de Assis, com quem sempre me entretenho em bons papos, lembra que sem referência ao pobre, sacramento vivo de Deus, Cristo corre o risco de virar um mero conceito devocional legitimador de um clericalismo que nada tem de evangélico ou profético.
Tenho dito a São Pedro que sonho com uma Igreja em que o celibato seja facultativo para os sacerdotes e as mulheres possam celebrar missa. Uma Igreja livre das amarras do capitalismo, e na qual os oprimidos se sintam em casa, alentados na busca de justiça e paz.
Quanto ao mundo, lamento que a fome, por cuja erradicação tanto lutei, ainda perdure, ameaçando a vida de 950 milhões de pessoas causando s morte de cerca de 23 mil pessoas por dia, a maioria crianças.
Por que tantos gastos em formas de ceifar vidas, como armamentos, e o investimentos que degradam o meio ambiente, como pesticidas, desmatamentos irresponsáveis e cultivo de transgênicos? Por que tão poucos recursos para tornar o alimento – dom de Deus – acessível à mesa de todos os humanos?
Ao comemorarem meu centenário, lembrem-se dos princípios e objetivos que nortearam a minha vida. Malgrado calúnias e perseguições, vivi 91 anos felizes, pois jamais esqueci do que disse meu pai quando comuniquei a ele minha opção pela vida sacerdotal: “Filho, egoísmo e sacerdócio não podem andar juntos”.

Frei Betto, Correio Braziliense, Brasília, sexta-feira, 30 de janeiro de 2009. Caderno Opinião.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Entrevista com Caio Fábio feita pela Revista Contemporânea

Esta entrevista com Caio Fábio chegou à minha caixa de e-mail. Não cheguei a lê-la ainda. Resolvi postá-la, pois o Caio é uma das poucas pessoas que aunda tenho paciência para ouvir. Aqueles ramerrões medonhos a que estamos acostumados a ver da igreja evangélica brasileira, americana ou qualquer outra coisa cansam. A interpretação hodierna não insere a alma humana nas Escrituras. Não fala de realidades existencializáveis. A religião tornou-se uma difusora da matéria e do experiencialismo piegas. Tal realidade me satura, por isso aqui segue em primeira mão mais uma das tantas entrevistas concedidas pelo Caio. Boa leitura!


CONTEMPORÂNEA – Por que acreditar em Deus?
Caio Fabio – Por que como poderei crer em mim se não creio no Sentido de minha vida em Deus? Além disso, crer em Deus é crer na vida. E mais: crer em Deus é poder andar sob a maior força desta ou de qualquer existência: o poder da fé. Eu, todavia, só creio em Deus porque Ele creu em mim e a mim se revelou por pura Graça e bondade. Sem fé mesmo, o que existe em relação a Deus é a “crença vazia” em um Deus que, para o homem, existi apenas por uma questão de “normalidade social e psicológica”; mas, tal crença, não nos põe na cara de Deus mesmo.

CONTEMPORÂNEA – Nos EUA, na capital americana, recentemente, e na Inglaterra, existiram campanhas publicitárias de não crença em Deus. Para os ateus, um mundo sem qualquer tipo de religião é possível. A que você atribui essa descrença crescente no mundo?
Caio Fabio – Atribuo à loucura da religião. A religião, com seu “Deus” de guerras e divisões faz muito mal à humanidade. De fato, as pessoas que assim se portam em relação a Deus — lutando contra a idéia de Deus —, não fazem tal oposição a Deus mesmo, mas apenas à Sua representação, ao Seu “Retrato Falado” descrito equivocadamente pela religião, cujo Deus é apenas uma projeção dos valores morais do grupo religioso que diz representar a Deus na Terra. De fato, ironicamente, as três religiões monoteístas do mundo — o judaísmo, o cristianismo e o islamismo — estão acabando com o mundo e a Terra. Quem tem um mínimo de conhecimento histórico sabe do que eu estou falando.

CONTEMPORÂNEA – Que tipo de fé e concepção espiritual sobre Deus, você defendeu e defende nestes últimos 33 anos como pregador?
Caio Fabio – A mesma de Jesus, que disse: “Quem me vê a mim, esse vê o Pai!” Deus é a cara de Jesus. É meigo como Jesus. É amor como Jesus. É simples como Jesus. É amigo de pecadores como Jesus. É distante da religião como Jesus. Deus é Jesus e Jesus é Deus. Quem quiser saber como Deus é, olhe para Jesus, conforme os evangelhos O apresentam.

CONTEMPORÂNEANo mundo moderno, segundo importantes centros de pesquisas, cerca de 98% da população mundial acredita em Deus. Mas, ainda assim, o fato em si de acreditar não eximiu o ser humano de praticar guerras, violência urbana, fome, drogas, injustiças sócias e econômicas. Por quê?
Caio Fabio – Porque o “Deus” do mundo é religioso. Ora, religião é política, é partido, é fenômeno humano e se alimenta de interesses humanos, tanto econômicos quanto políticos. O “Deus da religião” divide e faz guerra. Não dá para haver paz no mundo se o maior poder entre os homens, o de Deus, é visto como uma força ideológica que afirma uns e dana ao inferno aos diferentes. O espírito religioso, quanto mais fundamentalista seja, mais diabólico o será na produção de guerras e divisões entre os homens.

CONTEMPORÂNEAAté que ponto a Cristianismo da época de Jesus ao Cristianismo de hoje preserva sua essência original?
Caio Fabio – Jesus não fundou o Cristianismo. Ele não criou nada disso que aí está. O Cristianismo é uma criação do Império Romano cooptando a “Igreja” a fim de fortalecer o Império que se esfacelava aí pelo 4º Século. O mais foi feito em nome de Jesus, mas não tinha e não tem qualquer relação com o que Ele ensinou no Evangelho. Tudo isso é um grande estelionato!

CONTEMPORÂNEAQual é, afinal, a saída para possíveis distorções que o Cristianismo, na sua essência, sofreu nos últimos dois mil anos?

Caio Fabio – O Cristianismo não tem salvação. Não há promessas de Deus para a religião. Nos dias de Jesus os piores inimigos foram os fanáticos religiosos. Não foram os Romanos que mataram a Jesus. Foram os religiosos judeus que assim decidiram. Pilatos foi o mero executor. Jesus, portanto, nunca fez planos acerca de nenhuma religião. E ensinou que não se põe remendo de pano novo em vestes velhas. O Cristianismo, como fenômeno humano e religioso, não tem cura. Há milhões no Cristianismo que conhecem a Deus pessoalmente, mas isso nada tem a ver com o Cristianismo, mas apenas com a fé simples de tais pessoas na pessoa de Jesus. Por isto, não tenho sugestões a fazer ao Cristianismo.

CONTEMPORÂNEA – O crescimento da fé protestante no Brasil é uma realidade nas últimas décadas. Como você, um homem que conhece bem de perto este universo, vê tudo isso? O que existe de bom e de errado?
Caio Fabio – De bom? Ora, existem pessoinhas queridas conhecendo a Deus. De mal? De mal é a coisa toda! Vejo tudo isto como um inchaço sem alma e sem entendimento. A maioria dos “evangélicos” mais recentes são totalmente pagãos em suas crenças e em sua visão acerca de Deus.

CONTEMPORÂNEA – Qual sua opinião sobre pastores que abandonam a vida eclesiástica para militarem em outro campo, o político?
Caio Fabio – Em geral são uns oportunistas que nunca tiveram vocação pastoral mesmo. E quando obtiveram eleitores em quantidade suficiente, correram para o poder que sempre almejaram e invejaram. Vejo tudo como um descalabro, e, entre esses, conheço apenas um ou dois que não tenham se corrompido por completo.

CONTEMPORÂNEAO que, exatamente, você chama de “graça divina”, termo que com freqüência é usado por você onde quer que você pregue?
Caio Fabio – Graça significa “favor imerecido”. A Graça é como Deus se relaciona com o homem. Sim! Não por méritos do homem, mas exclusivamente em razão de Deus ser amor.

CONTEMPORÂNEA – Qual o papel fundamental da Igreja Cristã no mundo, que vive obscurecido por inúmeros desafios, que vão desde gravíssimos problemas climáticos a crises financeiras?
Caio Fabio – A Igreja Cristã deveria apenas se converter ao Evangelho, esquecendo-se de si mesma, pois, a “Igreja Cristã” no Ocidente da Terra foi a maior promotora daquilo que hoje nos sufoca. Somente duvida disso quem não conhece a História.

CONTEMPORÂNEA – Como cristão, você é favor do uso de células troncos para o tratamento de doenças degenerativas, como, por exemplo, mal de Alzheimer?
Caio Fabio – Sim! Para tratamentos dessa natureza sou a favor. Mas sei que não ficará aí, e que, em algum tempo, o mundo do Dr. Frankenstein aparecerá, posto que o homem não consiga ficar sem realizar tudo o que possa em qualquer que seja o campo do saber. E, no caso da engenharia genética, o potencial para a loucura, mexendo nas entranhas da vida, é sem termo de comparação com qualquer outra forma de mal e de intervenção.

CONTEMPORÂNEA – Por que apesar do espantoso reconhecimento no meio evangélico, você nunca se propôs a abrir uma igreja?
Caio Fabio – “Igreja” para os “evangélicos” é um prédio cheio de gente. Para mim, conforme os evangelhos, a Igreja é gente cheia de Deus. Ora, nesse sentido do Novo Testamento, não fiz e não faço outra coisa senão abrir igrejas nas almas humanas desde sempre.

CONTEMPORÂNEA – Qual sua visão sobre a Igreja protestante brasileira hoje?
Caio Fabio – Um ente do passado, sem significado no presente e sem projeto e proposta para o futuro.

CONTEMPORÂNEA – Por que no meio evangélico, haja vista a confissão de uma só fé, existe tantas denominações?
Caio Fabio – Porque entre os “evangélicos” existe tudo, menos uma só fé. Os “evangélicos” têm tantas “fés” quantos “pastores” e “apóstolos” existam. E cada um anda não conforme a fé, mas conforme o “nicho”; ou seja: conforme o que dá certo para reunir gente, poder, dinheiro e influencia. Entre os “evangélicos”, se der certo não precisa estar certo.

CONTEMPORÂNEA – Hoje a busca espiritual em todo o mundo é uma coisa inegável. Entretanto, ao que parece a idéia sobre religião e Deus são coisas distintas diante de tanta confissão de fé e tão pouco senso de humanismo no ser humano. Por que isto acontece?
Caio Fabio – Sim! A busca humana é cada vez mais por espiritualidade e menos por religião. Se for assim, ótimo; posto que o Evangelho não seja religião, mas caminho espiritual, vereda de espiritualidade no coração da vida.

CONTEMPORÂNEA – Existe, na sua opinião, alguma coisa de cunho espiritual na crise financeira mundial?
Caio Fabio – Tudo! Esta crise é filha do pecado, da ganância, do dinheiro virtual, da força agregadora da Grande Babilônia, que é o sistema que aí está.
CONTEMPORÂNEA – De modo paradoxal, na região do Oriente Médio, um lugar onde se professa o nome Deus ou Alá de forma tão veemente, as pessoas vivem em constantes conflitos e guerras. O que você, como cristão e pregador, pensa sobre isto?
Caio Fabio – Já disse. Lá existem religiões monoteístas, mas não Deus. Deus é amor. Onde há guerras, pode haver tudo, menos Deus.

CONTEMPORÂNEA – O que é o caminho da graça?
Caio Fabio – É um movimento simples de fé conforme tudo o que acima eu disse: algo que seja apenas evangelho e sem doutrinações de homens. O Caminho da Graça é um movimento de busca da experiência simples da fé em Jesus, e sem os dogmas perversos da religião. Para nós, se está no Evangelho nos serve. Se não está, nada queremos.

CONTEMPORÂNEA – Se você, digamos, encontrar um sujeito, e ele perguntar qual o motivo central para se tornar um discípulo de Jesus, você diria o que para ele?
Caio Fabio – Diria que ele foi feito por Deus e para Deus, e que o Evangelho é a única alternativa de vida aqui e além para quem deseja apenas ser de Deus sem complicações e sem ficar nas mãos de homens e de sistemas.

CONTEMPORÂNEA – Como, exatamente, Caio Fabio define Caio Fabio? (como cristão, pregador, ser humano, cidadão, escritor; escolha uma alternativa).
Caio Fabio – Sou apenas um homem que creu no Evangelho e que não tem duas caras e nem duas vidas; e a que tenho é toda para o Evangelho.

CONTEMPORÂNEA – Quem é Deus para o Caio Fabio?
Caio Fabio – Deus é amor, conforme em Jesus o amor se manifestou!

21 de janeiro de 2009
Lago Norte
Brasília
DF
www.caiofabio.com
www.vemevetv.com