terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Gênesis 1- 2

Os capítulos iniciais do livro de Gênesis são intrigantes sobre vários aspectos. Durante a história muitas discussões têm sido suscitadas em torno da origem, da autoria e da literalidade desse livro. Para a tradição, Gênesis teria sido escrito por Moisés - bem como o restante do Pentateuco. Todavia, conforme narra o último livro do Pentateuco, Deuteronômio, Moisés morreu antes que o povo entrasse na terra prometida (e antes de se concluir o seu ciclo narrativo). A teologia traditiva tem buscado explicar este fato de forma a atribuir a Moisés a autoria do livro das origens. Não há evidências internas (em Gênesis) que atestem que Moisés é o autor do livro. No que diz respeito aos aspectos científicos, não há uma explicação fechada, objetiva, corroborando com a autoria mosaica. As explicações conservam-se sob o aspecto da fé. O autor de Hebreus, afirma: "Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o vísivel veio a existir das cousas que não aparecem" (Hb. 11.3). Ficando assim claro que a fé é a base propulsora que autentica a atividade criadora de Deus.
Encontramos no primeiro capítulo muitos aspectos que não devem ser interpretados literalmente. Uma interpretação literal do texto traz prejuízos literários conseqüentes. Percebe-se, pelo menos no capítulo primeiro, muitos elementos metafóricos. O texto deixa nas entrelinhas que a narrativa é resultado da compilação de uma tradição. Enxerga-se (dentro do livro de Gênesis) vários blocos avulsos que dão a entender que não se trata de um único autor. É importante entender que a Bíblia é um livro humano, pois usa a linguagem humana, os caracteres literários humanos, os dramas humanos, o mundo humano. Entrementes, possui elementos divinos. Ela é, portanto, um livro híbrido - com caracteres humanos e divinos. É inspirada, por isso é divina; e usa elementos que são próprias da realidade e do mundo, por isso é humana. Por isso ela deve ser lido e interpretada nessa perspectiva. A maioria daqueles que lêem a Bíblia de acordo com a tradição, busca interpretá-la sob a ótica literal. Tal fato se deve a uma espécie de medo. Entende-se basicamente que uma vez que se faça isso, a Bíblia sofre algum tipo de prejuízo. Essa atitude é fruto de um desarrazoamento. Estriba-se no entendimento que os assuntos divinos precisam ser protegidos, advogados. Não creio que assim seja. Deuteronômio 29.29 diz que as coisas reveladas pertencem aos homens e as ocultas pertencem a Deus.
Os capítulos iniciais sobre a criação, conforme posso notar com minhas limitações, é uma espécie de explanação dada para explicar muitos dos fatos sobre a realidade. Na verdade, trata-se de um poema cujo sentido é incluir por meio de símbolos e arquétipos uma resposta para o mundo: o céu, a terra, os mares, as estrelas, a existência do homem, as florestas. Ou seja, como é porque tudo isso existe. Tudo isso está incluído nos fatos descritos no capítulo primeiro. Interpretá-lo literalmente, passa-nos a idéia de que Deus um dia resolveu brincar de “fazer o mundo”.
Seguindo esse mesmo raciocínio, observa-se no versículo 31 do capítulo 1, uma afirmação interessante: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom”. A Bíblia na linguagem de hoje diz que “Deus viu tudo quanto havia feito e tudo era muito bom”. Quero enfatizar aqui o fato de Deus “ver” e se “impressionar” com aquilo que fizera. Ou seja, o que fica patente é o fato de que o próprio Deus da criação “toma um espécie de susto com aquilo que criou”. É como se Deus não conhecesse os seus próprios poderes. Deus toma sustos com sua própria atividade criativa. Não há base filosófica para entender tal fato. Há uma coerência no ser de Deus. Seria aquilo que Parmênides afirma em sua filosofia: “Aquilo que é, é”. O ser só pode ser sendo. Se Deus é, mas não possui constância em ser, ele não pode ser. Se Deus sendo perfeito cria, mas sendo perfeito, assusta-se com aquilo que cria, perde o atributo da perfeição. Nisso vejo residir certa ilogicidade.
Já no capítulo 2.1-2, percebe-se em primeiro lugar a criação da história para sustentação do fato. Em suma: a história de Israel mostra que o sábado é “sagrado”. Deve-se necessariamente isso ao fato do mundo ter sido criado em 6 dias e ao sétimo (sábado) Deus descansou de Sua criação. Por que o sábado deve ser tido como santo? Todas as coisas não foram criadas “boas”? E se Israel, por ter na sua história sacralizado o sábado, tivesse criado a narrativa com o fim de sustentar a crença histórica; em outras palavras, criado a narrativa do Gênesis para sustentar a sua própria história, tratando-se especificamente da “história de um povo”? E o raciocínio que se estabelece é o de, que, uma vez que o próprio Deus da criação descansou nesse dia, por que não santificar esse mesmo dia? Claro, o que falo aqui não passa de uma hipótese gratuita, livre. Afirmo tais coisas por enxergar essas possibilidades no texto. Analisando sem romance esse fato e sob o prisma literário, a alternativa que nos resta é o da interpretação não literal desses dois primeiros capítulos.
Quase todos os povos orientais têm uma espécie de narrativa muito assemelhada ao texto de Gênesis, o que nos dá a idéia de que se trata um texto que é resultado do inconsciente coletivo. Houveram muitos povos que também desenvolveram um gênesis: os egípcios, os babilônicos, os acádios, assírios, hindus e etc. Parece haver para os antigos uma espécie de mito, uma tradição que era passada de pai para filho e que era fruto de um entendimento histórico. Não havia ciência conforme entendemos hoje. Buscava-se interpretar o mundo por meio do mito e da religião. Com isso não quero dizer que os antigos estivessem errados no seu entendimento. Eram os recursos que dispunham para responder a uma inquietação. Também não quero deixar aqui explícito que as Escrituras são o resultado desse fenômeno, dessa mitologização interpretativa por parte dos antigos. Quero dizer que é preciso interpretar esses fenômenos com as ferramentas certas e as Escrituras, também.

Logo abaixo se encontra um texto que explica em parte o que aqui explano de autoria do pensador Caio Fábio. Texto disponível em: http://www.caiofabio.com/novo/caiofabio/pagina_conteudo.asp?CodigoCanal=0000401584


A narrativa do início do livro do Gênesis é claramente mítica, e é completamente verdadeira. O mito não significa mentira, engano, falsidade e fantasia. O mito é uma linguagem universal usada na perspectiva de revelar por figuras, símbolos e arquétipos, aquilo que não se viu como ocorrência, mas que se sabe corresponder à verdade do que foi gerado.
Nossa tolice é tão grande que nos prende à narrativas de configuração e linguagem mítica de forma literal como se a fé só fosse fé se todas as coisas tiverem sido literais. A Escritura tem todo tipo de linguagem. Começa com a mítica, entra na semi-histórica, adentra a histórica, se utiliza da simbólica, expressa a alegórica, a metafórica, e também a literal. Ora, se a Escritura se utiliza de todas essas linguagens, não faz sentido usar apenas a visão literal na hora de lê-la, se há outras formas de linguagem em uso no próprio texto. Cada texto tem que de ser lido e discernido conforme a sua linguagem. E a Escritura não inicia dizendo que linguagem está usando, apenas porque é obvio quando uma certa linguagem está sendo praticada.
Eu creio que a Terra foi habitada, milhões de anos, por muitas criaturas, antes da criação-surgimento do homem. Creio que houve muitas eras e ciclos de vida no chão que habitamos. Creio que a narrativa do Gênesis mostra o significado divino de todas as existências, e revela o lugar especialmente importante do homem na criação. Creio que a “queda” aconteceu, e que o dialogo de Eva com a Serpente foi uma realidade, porém, a linguagem usada para nos contar algo que teve seu lugar muito mais na dimensão psicológica, é, própria e adequadamente, de natureza mítica. Creio que tudo o que ali está dito é tão mais belo e verdadeiro quanto mais se lê o texto conforme a natureza de sua linguagem. Aliás, somente desse modo o texto deixa de parecer estória da carochinha. Lendo-o como mito ele cresce ainda mais em seu significado como representação não-jornalística da verdade, e que nem por não ser “jornalística” deixa de ser verdadeira.
O Gênesis apresenta o fenômeno do que nos aconteceu como espécie, e usa a única linguagem possível, em se tratando de coisas para as quais a consciência não tinha meios de perceber se não como linguagem fenomenológica. As culturas dos povos, quase todas elas, são extremamente parecidas com a linguagem do Gênesis. O que apenas prova a realidade de que o Inconsciente Coletivo da Humanidade está saturado com a mesma verdade e com os mesmos conteúdos, variando apenas na forma do mito.
O modo mítico como o Gênesis relata a criação da consciência humana é, na minha pobre maneira de ver, o mais perfeito de todos. No entanto, a linguagem é mítica; e é a mais própria de todas as linguagens míticas.
Mito, portanto, não é o que não é, mas sim o que é; só que sendo contado de uma forma atemporal, não envelhecível, não necessitada de re-atualizações históricas freqüentes.Você já imaginou se há quase quatro mil anos a Escritura contasse a criação do homem do modo como ela pode ter “de fato” acontecido? Quem entenderia o quê? Desse modo, a Escritura usa uma Linguagem Perene a fim de relatar aquilo que não seria jamais compreendido sem que a linguagem fosse mítica. Para os antigos era a única linguagem possível; e continua a ser a única possível para nós também.
Na realidade as pessoas não entram nesse assunto não é por medo de perderem a fé, mas por temor de serem “interpretadas” como tendo perdido a fé.
Ora, o Gênesis, em seu inicio, é mítico. A ressurreição de Jesus, todavia, não é narrada com linguagem mítica, mas histórica. Assim, deve-se ler o Gênesis conforme a linguagem proposta, e os Evangelhos, conforme a linguagem histórica narrativa com a qual ele está carregado.
Com isto lhe digo o seguinte: Sei que Adão caiu em pecado e transgressão, embora não saiba os detalhes históricos narrativos desse acontecimento, visto que a linguagem utilizada me permite saber o que houve, mas não me detalha como foi—exceto como narrativa de natureza mítica. Já a ressurreição de Jesus, é tanto histórica quanto também é narrada em linguagem histórica, sendo, por parte de qualquer um, uma grande violência dizer que se trata de mito, visto que, para mim, é desrespeito para com a intenção, o estilo e a objetividade narrativa da história.Ou seja: a realidade é o que interessa, não a linguagem!E qual é a realidade?
Somos todos herdeiros de Adão segundo o pecado; e, em Cristo, somos agora herdeiros de toda Graça. Ora, isto sim é realidade!


Nele,


Caio


Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: terça-feira, 30 de dezembro de 2008, 00:10:59.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Jesus, o Senhor do sábado e da vida – Mt 12.1-21


Jesus sempre foi motivo de curiosidades excessivas para os homens do seu tempo, por causa da Sua compreensão em relação às necessidades humanas.

Para Jesus, a vida humana tem um valor que excede a qualquer outro bem (v.12).

Mateus insere a controvérsia de Jesus com os fariseus acerca do sentido do sábado nesta passagem.

Os fariseus cumpriam o sábado como uma ordenança estritamente mecânica.

Cumprir o sábado para os fariseus era simplesmente deixar de exercer alguma ação externa, material, visível.

A vida estava aprisionada dentro da gaiola legalista da religião.

A radicalidade da compreensão dos fariseus acerca do sábado era tão extrema que eles entendiam que se uma vida estivesse padecendo e precisasse de ajuda, dever-si-a esperar até o outro dia.

Jesus cinde com isso quando caminha com os seus discípulos num sábado nas proximidades de uma seara.

O texto diz de forma meio que provocativa que os discípulos tiveram fome.

E aqui temos algo interessante, posto que se estabelece um paralelo:

De um lado o mandamento, a ordenança, o preceito;

Do outro, a necessidade humana, a fome, o estômago que ronca e fragiliza a vida.

Os discípulos estando nesta condição, apanham espigas e põem-se a comer.

Os fariseus imediatamente incriminam: “Eis que os teus discípulos fazem o que não é lícito fazer num sábado” (v.2).

Ou seja, o que é licito fazer num dia de sábado?

É a pergunta mais imediata que se nos surge.

Jesus utiliza dois argumentos do Antigo Testamento:

Davi teve fome e comeu os pães da proposição, juntamente com os seus companheiros.

A necessidade da vida é maior que o mandamento.

O outro exemplo de Jesus é com relação aos próprios sacerdotes que “violam o sábado e ficam sem culpa”.

Jesus estava dizendo em suma: “Vocês não conseguem enxergar um afrouxamento do mandamento e da ordenança, mesmo quando o que está em jogo é o ser humano, a vida, a necessidade mais aguda da alma?”.

A afirmação do versículo 6 é forte: “Aqui está quem é maior que o templo”.

Ele estava afirmando que era maior que o mandamento, maior que a ordenança da religião;

Maior que as regras e os jogos rituais arquitetado pela estreiteza e hipocrisia dos auto-considerados senhores da mecanicidade, que consideram a lei maior que a necessidade da alma que precisa de ajuda.

E Jesus arremata: “Misericórdia quero e não holocaustos”.

E nisso aqui está uma das mais importantes verdades do Evangelho.

Porque o Evangelho de Jesus é misericórdia e não holocausto.

Somente o holocausto transforma aquele que o oferece, muitas vezes, num desbragado hipócrita.

Enquanto se oferece o holocausto existe a possibilidade de se auto-justificar diante dos outros e de si mesmo;

É possível afirmar que a mera assepsia externa está sendo feita, portanto, a justiça está sendo cumprida no rito.

É por isso, que o religioso é o mais soberbo, inquisidor e auto-justificado de todos os homens, porque uma vez que cumpriu o holocausto, o rito meramente externo, passa a entender que aqueles que não procedem em conformidade com isso são culpados.

Jesus diz que se os fariseus tivessem entendido o que isso significa não teriam condenado o inocente.

Porque Ele, Jesus, era o Senhor do sábado e o sábado servia o homem e, não o homem, ao sábado.

O homem não serve ao mandamento, mas o mandamento serve ao homem.

Jesus parece que deseja provocar a contumácia legalista dos fariseus, porque saindo dali entrou logo numa sinagoga.

Na sinagoga estava um homem com uma mão ressequida.

Os fariseus como que para provocar, perguntam: “É lícito curar no dia de sábado?”

Ou seja, a pergunta encerrava o fato acerca da licitude de se fazer ou não o bem num dia de sábado.

E Jesus provoca a consciência e a reflexão dos fariseus, questionando:

“Qual vocês, que tendo uma ovelha e vendo-a cair no buraco num dia de sábado, não arranja meios de imediatamente de tira-la dali?”

“Fiquem sabendo que um homem para Deus é maior do que qualquer ovelha gorda que vocês possuam”.

“Enxerguem isso!”.

O texto afirma que Jesus cura o homem.

Os fariseus se revoltam em saem dali para conspirar como matariam Jesus.

O texto diz no versículo 15: “Jesus, sabendo isso, retirou-se dali, e acompanharam-no grandes multidões, e ele curou a todas. E recomendava-lhes rigorosamente que o não descobrissem, para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta Isaías, que diz: Eis aqui o meu servo, que escolhi, O meu amado, em quem a minha alma se compraz; Porei sobre ele o meu espírito, E anunciará aos gentios o juízo. Não contenderá, nem clamará, Nem alguém ouvirá pelas ruas a sua voz; Não esmagará a cana quebrada, E não apagará o morrão que fumega, Até que faça triunfar o juízo; E no seu nome os gentios esperarão”.

E aqui está uma das passagens mais linda e significativas das Escrituras que demonstra o caráter do Salvador, que não veio para contender nas praças ou contender acerca dos preceitos da religião;

Que não está preocupado em ser agradável com aqueles que espremem o significado da vida e a transformam em algo estreito e nefasto.

Que transformam o princípio do mandamento em uma ordenança que abafa o significado da libertação que existe na Palavra de Deus.

Nas praças não se ouviria a Sua voz como alguém que alardeia virtudes narcisticamente soberbas.

Ele não está aí para deixar a vida perecer como um fruto podre, já passado, quando o mesmo pode ser apanhado.

Ele não esmagará a cana que já está quebrada, nem apagará a acha que fumega nos últimos estertores de vida, nas últimas resfolegâncias da alma.

Jesus contrariou os religiosos do seu tempo, porque o Evangelho que Ele pregou, a Boa Nova de Deus é maior que o orgulho e a soberba humanos.


Por Carlos Antônio M. Albuquerque

Data: quarta-feira, 4 de janeiro de 2006, 9:37:13 M


Aviso!!!

Este espaço se reserva à postagem de minhas reflexões e entedimentos acerca do Evangelho. Em algum momento pode haver crítica ou contestação em relação ao entendimento daquilo que é a fé para mim. Todavia, se assim acontecer, respeitarei a opinião e a origem da crítica. Não estou preocupado com os corredores estreitos da religião insitucionalizada. Esta para mim cheira a contrasenso. A liberdade da fé ensinada por Jesus extrapola as conveções esperadas pelo dogma. Creio em minha humildade e singeleza de coração que a religião conforme se mostra é um instrumento de poder, mas que somente o Evangelho liberta. Jesus disse certa vez: "E conhereis a verdade e a verdade vos libertará" (Jo. 8.32). É convicto desse fato que aqui depositarei algumas "pensatas" - talvez frágeis, fracas, rasas, para os mais refinados - acerca daquilo que creio e penso sobre a fé. Este "pensar" será resultado da "existencialiazação" do Evangelho em mim. Um abraço cordial!!!