Ás vezes parece que a vida se rarefaz na altitude
De existir no hoje com a lembrança do que se foi no ontem.
Parece que tenho dentro de mim a senha secreta
Da nostalgia do que já fui, mas perdi.
A vida sugestiona a amplidão dos séculos e me conduz
Aos dias da perfeição.
A lembrança dos dias do Paraíso-da-perfeição estabelece-se dentro de um quadro de imperfeição.
O imperfeito hoje, já vestiu-se de perfeição no passado.
Dizem: “o passado não conta”.
Para mim o passado conta e conta porque perdi o que tive
Para ganhar o que tenho.
O mais estarrecedor neste corte transversal de contingência
É a certeza de que o que tenho, causar saudades
Do que fui, mesmo sabendo que no que fui, terei ainda mais do que hoje sou.
O que fui não mais serei, porque do passado guardamos apenas a memória esfarelada do que fomos e do que se vivenciou.
Eu não estava lá jardim, mas era como se lá estivesse.
Eu não comi do fruto da proibição, mas parece que ainda sinto o seu gosto adocicado e o seu poder de me abrir os olhos.
Porque eu sou o Adão do hoje a lamentar pelo que não fui ontem.
Quando lá comeram o fruto, tornaram-se mais humano e menos humano.
Menos humano, porque perdeu-se a perfeição do projeto tracejado para ser-o-que-se-deveria-ser.
Mais humano, pois passou a se experimentar da outra humanidade alienada e ausentada da graça e sujeita à ira.
Era luta do tentar ser-quem-não-podia-ser, mas que se transformou em ser.
Mas o que me intriga é que essas coisas ainda voam dentro de da gente, no nosso eu-histórico-no-hoje,
Mesmo sabendo que eu não estava lá.
“Miserável homem que sou, quem me livrará do corpo desta morte?”
Não tenho o que tive para adquirir o que sou, mas ainda sinto saudades do que fui.
Parece que me fio dentro de uma roda gigante de confusão que me faz descer e subir nessa gangorra histórica, entre o que fui, o que sou e o que serei.
O que me impressiona é que agora eu tenho a graça, mas aquilo que é graça não dá crédito para mim e nisso ainda busco viver a promessa que me fizeram de
Que eu seria igual a Deus.
Se busquei ser igual a Deus, busquei me divorciar da submissão de ser-com-Deus.
Ser-com-Deus sugere submissão a Deus e curvar-se a Deus sugere viver-para-Deus.
Não quis me prostrar e nem curvar a Deus, porque eu quis ser igual a Deus.
Ainda hoje sinto o travor do que se tornou aquele fruto.
São coisas que sinto.
Me fiar no passado me faz sentir o cheiro do que tive mas perdi e ao mesmo tempo me puniciar por ser o que sou, esquecendo do que serei.
A promessa é graça.
Graça não confere crédito a mim, daí, me escondo em mim mesmo e me alimento do embelezamento do que fui e do que podia vir a ser.
O Éden está perdido, o labor, os cardos e os abrolhos provam isso;
A minha sede em ser o que fui e o meu lamento em perder o que prometeram que eu seria prova isso.
Mas eis que a limpeza foi feita na cruz.
Me prometeram um outro ser aonde eu-serei-o-que-planejaram-para-eu-ser, antes mesmo que eu deixasse de ser.
Lá a nostalgia acusadora é exorcizada e riscada dessa agenda que está inscrita em mim.
Eu serei mais do que sou, e nem por isso tornarei a ser o que sempre desejei ser, porque o que foi é passado e do passado só temos lembranças.
Então devo ignorar o passado?
O passado é apenas o que foi e o que não têm poder de, por si mesmo, transmudar-se em presente.
Afinal, o que foi não mais é.
O que é pode não vir a ser.
Mas o meu papel dentro do hoje histórico é ser-em-Cristo, porque ele tem as palavras da vida eterna.
Ele tem o que eu preciso, para viver o hoje, esquecer o que fui e me agarrar ao que serei.
Em Cristo há o escorrer do que já se foi e o renovar do que virei a ser.
Cristo em mim é a esperança da glória.
O que serei não pode ser roubado ou manchado pelos sonhos frustrados.
Pois Cristo me deu os seus sonhos.
O que eu era já foi.
O que conta é o que eu-sou-e-o-que-serei-em-Cristo.
Amém!
Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: 30/11/2003 13:42:41, domingo.
