sexta-feira, 20 de maio de 2011

Ricardo Gondim na Carta Capital: “Fui eleito o herege da vez”

Escrevo com uma esporacidade considerável neste espaço, pois perdi o encanto para com a religião. Não vejo nem percebo graça, alegria, soltura na linguagem piegas e escravizadora do discurso religioso. A religião é um espaço de aniquilamento da subjetividade. Observando as atualizações dos blogs e sites que acompanho, encontrei o depoimento de Ricardo Gondin, pastor evangélico, que tem construído um discurso audacioso de ruptura com mainstream evangélico viciado, repetidor de fórmulas frágeis, estreitas e preconceituosas. Gondim que escrevia na Revista Ultimato há quase vinte anos foi demitido por causa de uma entrevista que deu à Carta Capital, revista de circulação semanal em todo Brasil (ler a explicação de Gondim). Procurei a entrevista de Gondim (transcrita abaixo) e fiquei impressionado com a lucidez exposta em suas palavras. Foi demitido por defender o direito cidadão de cada um fazer a sua opção sexual. Gondin se posicionou a favor da homossexualidade e perdeu o seu posto de cronista. Esse acontecimento apenas revela a face inquisidora daqueles que defendem a estrutura da linguagem religiosa com seus vícios e defesa intransigente de um modus operandi. Leia a entrevista abaixo:

Texto de Gerson Freitas Jr. publicado originalmente na Carta Capital

‘Deus nos livre de um Brasil evangélico?’ Quem afirma é um pastor, o cearense Ricardo Gondim. Segundo ele, o movimento neopentecostal se expande com um projeto de poder e imposição de valores, mas em seu crescimento estão as raízes da própria decadência. Os evangélicos, diz Gondim, absorvem cada vez mais elementos do perfil religioso típico dos brasileiros, embora tendam a recrudescer em questões como o aborto e os direitos homossexuais. Aos 57 anos, pastor há 34, Gondim é líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista. E tornou-se um dos mais populares críticos do mainstream evangélico, o que o transformou em alvo. “Sou o herege da vez”, diz na entrevista a seguir.

Carta Capital: Os evangélicos tiveram papel importante nas últimas eleições. O Brasil está se tornando um país mais influenciável pelo discurso desse movimento?

RG: Sim, mesmo porque, é notório o crescimento no número de evangélicos. Mas é importante fazer uma ponderação qualitativa. Quanto mais cresce, mais o movimento evangélico também se deixa influenciar. O rigor doutrinário e os valores típicos dos pequenos grupos de dispersam, e os evangélicos ficam mais próximos do perfil religioso típico do brasileiro.

CC: Como o senhor define esse perfil?

RG: Extremamente eclético e ecumênico. Pela primeira vez, temos evangélicos que pertencem também a comunidades católicas ou espíritas. Já se fala em um “evangelicalismo popular”, nos modelos do catolicismo popular, e em evangélicos não praticantes, o que não existia até pouco tempo atrás. O movimento cresce, mas perde força. E por isso tem de eleger alguns temas que lhe assegurem uma identidade. Nos Estados Unidos, a igreja se apega a três assuntos: aborto, homossexualidade e a influência islâmica no mundo. No Brasil, não é diferente. Existe um conservadorismo extremo nessas áreas, mas um relaxamento em outras. Há aberrações éticas enormes.

CC: O senhor escreveu um artigo intitulado “Deus nos Livre de um Brasil Evangélico”. Por que um pastor evangélico afirma isso?

RG: Porque esse projeto impõe não só a espiritualidade, mas toda a cultura, estética e cosmovisão do mundo evangélico, o que não é de nenhum modo desejável. Seria a talebanização do Brasil. Precisamos da diversidade cultural e religiosa. O movimento evangélico se expande com a proposta de ser a maioria, para poder cada vez mais definir o rumo das eleições e, quem sabe, escolher o presidente da República. Isso fica muito claro no projeto da igreja Universal. O objetivo de ter o pastor no Congresso, nas instâncias de poder, pode facilitara expansão da igreja. E, nesse sentido, o movimento é maquiavélico. Se é para salvar o Brasil da perdição, os fins justificam os meios.

CC: O movimento americano é a grande inspiração para os evangélicos no Brasil?

RG: O movimento brasileiro é filho direto do fundamentalismo norte-americano. Os Estados Unidos exportam seu american way of life de várias maneiras, e a igreja evangélica é uma das principais. As lideranças daqui Ieem basicamente os autores norte-americanos e neles buscam toda a sua espiritualidade, teologia e normatização comportamental. A igreja americana é pragmática, gerencial, o que é muito próprio daquela cultura. Funciona como uma agência prestadora de serviços religiosos. de cura, libertação, prosperidade financeira. Em um país como o Brasil, onde quase todos nascem católicos, a igreja evangélica precisa ser extremamente ágil, pragmática e oferecer resultados para se impor. É uma lógica individualista e antiética. Um ensino muito comum nas igrejas é de que Deus abre portas de emprego para os fiéis. Eu ensino minha comunidade a se desvincular dessa linguagem. Nós nos revoltamos quando ouvimos que algum político abriu uma porta para o apadrinhado. Por que seria diferente com Deus?

CC: O senhor afirma que a igreja evangélica brasileira está em decadência, mas o movimento continua a crescer.

RG: Uma igreja que, para se sustentar, precisa de campanhas cada vez mais mirabolantes, um discurso cada vez mais histriônico e promessas cada vez mais absurdas está em decadência. Se para ter a sua adesão eu preciso apelar a valores cada vez mais primitivos e sensoriais e produzir o medo do mundo mágico, transcendental, então a minha mensagem está fragilizada.

CC: Pode-se dizer o mesmo do movimento norte-americano?

RG: Muitos dizem que sim, apesar dos números. Há um entusiasmo crescente dos mesmos, mas uma rejeição cada vez maior dos que estão de fora. Hoje, nos Estados Unidos, uma pessoa que não tenha sido criada no meio e que tenha um mínimo de senso crítico nunca vai se aproximar dessa igreja, associada ao Bush, à intolerância em todos os sentidos, ao Tea Party, à guerra.

CC: O senhor é a favor da união civil entre homossexuais?

RG: Sou a favor. O Brasil é uni país laico. Minhas convicções de fé não podem influenciar, tampouco atropelar o direito de outros. Temos de respeitar as necessidades e aspirações que surgem a partir de outra realidade social. A comunidade gay aspira por relacionamentos juridicamente estáveis. A nação tem de considerar essa demanda. E a igreja deve entender que nem todas as relações homossexuais são promíscuas. Tenho minhas posições contra a promiscuidade, que considero ruim para as relações humanas, mas isso não tem uma relação estreita com a homossexualidade ou heterossexualidade.

CC: O senhor enfrenta muita oposição de seus pares?

RG: Muita! Fui eleito o herege da vez. Entre outras coisas, porque advogo a tese de que a teologia de um Deus títere, controlador da história, não cabe mais. Pode ter cabido na era medieval, mas não hoje. O Deus em que creio não controla, mas ama. É incompatível a existência de um Deus controlador com a liberdade humana. Se Deus é bom e onipotente, e coisas ruins acontecem., então há aluo errado com esse pressuposto. Minha resposta é que Deus não está no controle. A favela, o córrego poluído, a tragédia, a guerra, não têm nada a ver com Deus. Concordo muito com Simone Weil, uma judia convertida ao catolicismo durante a Segunda Guerra Mundial, quando diz que o mundo só é possível pela ausência de Deus. Vivemos como se Deus não existisse, porque só assim nos tornamos cidadãos responsáveis, nos humanizamos, lutamos pela vida, pelo bem. A visão de Deus como um pai todo-poderoso, que vai me proteger, poupar, socorrer e abrir portas é infantilizadora da vida.

CC: Mas os movimentos cristãos foram sempre na direção oposta.

RG: Não necessariamente. Para alguns autores, a decadência do protestantismo na Europa não é, verdadeiramente, uma decadência, mas o cumprimento de seus objetivos: igrejas vazias e cidadãos cada vez mais cidadãos, mais preocupados com a questão dos direitos humanos, do bom trato da vida e do meio ambiente.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Deus nos livre de um Brasil evangélico

Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”.

Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente evangélico.

Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar "crente", com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).

Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.

Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu? Não gosto de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”?

Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?

Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma tradução para o português.

Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges.

Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando?

Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu; basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber que isso aconteceria.

Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos.

Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.

Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado.

Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes, moralista.

O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do escravo.

Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior incentivador.

Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.

Por Ricardo Gondim

DAQUI

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O verdadeiro sentido do Natal

Texto: Lucas: 2.1-20

Por que comemoramos o Natal? Essa é uma pergunta que merece ser respondida. Todos os anos nós nos vemos a dar presentes, a reunir a família, a renovar os votos de amor, de amizade. E, de fato, o Natal possui essa marca. A saber, a marca do amor, do entusiasmo, da solidariedade, da alegria, da esperança.

O Natal só tem razão de ser por causa de um nome: Jesus Cristo. Conforme o texto de Lucas, Jesus nasceu na Palestina. As circunstâncias históricas o levaram a uma pequena cidade chamada Belém. O Império Romano dominava o mundo àquela época. Dava ordens. Mandava e desmandava. Era a entidade subjugadora. De modo que, foi expedida uma ordem para que todos aqueles que se encontravam nos limites do Império fossem às suas cidades se recadastrarem. Maria, mãe de Jesus, e, José, o pai adotivo, teve que voltar à cidade onde haviam nascido, a pequena Belém. Maria estava grávida. A cidade estava cheia. Os hotéis, pousadas e hospedarias estavam completamente lotados. O censo ocasionara isso.

Como as dores de parto aumentavam, eles tiveram que procurar um lugar para que Maria ganhasse o menino. Não encontraram. O lugar mais aprazível que eles acharam foi um curral de animais. Tiveram que se arranjar por ali. Assim, Jesus nasceu numa manjedoura, uma cama de capim e foi enrolado com faixas. O Rei dos Reis e Senhor do Universo, não nasceu numa cama luxuosa. Não foi cuidado pelos médicos mais bem preparados. Não nasceu num palácio, entre os príncipes e reis, mas entre os animais. Seus companheiros foram bois, cavalos, ovelhas. Não nasceu numa cama com colchão macio, mas num arranjo feito pela ramagem de capim. Os embaixadores, príncipes e reis não vieram vê-lo, mas pastores, homens humildes, que estavam àquela hora no campo.

Notamos com isso algumas lições que essa história do Natal segundo Jesus pode nos fornecer:

(1) O Natal segundo Jesus existe para que celebremos a humildade.

O nascimento de Jesus demonstra isso. Ele como rei não nasceu em um castelo. Veio ao mundo, virou gente na História como alguém imensamente humilde. Descartou toda pompa que veste os reis, os príncipes, os governantes do mundo. Até mesmo a cidade onde nasceu era pequena, desconhecida, insignificante. Ele não nasceu numa grande cidade, numa cidade badalada, cheia de eventos grandiosos. Vemos, assim, que Jesus tem um compromisso com a humildade, com a simplicidade. O Natal é um período para que principiemos uma possibilidade de reflexão. Que entendamos a simplicidade nos faz pessoas melhores. É preciso ser simples e humilde como Jesus, que mesmo sendo Deus, desejou vir ao mundo do modo mais simples possível. Alguém disse que a água é o elemento mais humilde que existe. Ela sempre começa sua ação do ponto mais baixo.

(2) O Natal segundo Jesus existe para que celebremos a alegria

Quando Jesus nasceu, alguns pastores estavam no campo. Um anjo lhes apareceu. Eles ficaram tomados de medo. Mas o anjo disse que não havia necessidade de medo. Estava ali para trazer uma “boa nova de alegria”, pois “na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor”, havia nascido. Assim, o Natal é um tempo para que nos alegremos. Estamos, afinal, rememorando o nascimento de Jesus, o filho de Deus. É o tempo em que nos reunimos com a família. Tempo para que nos acheguemos uns aos outros. O medo e o pânico nos afasta a possibilidade de dar um sorriso ao outro. Mas a alegria que brota de um coração cheio dessa força que vem de Cristo, o autor do Natal, enche-nos da capacidade de sermos mais humanos, mais doces, mais agradáveis.

(3) O Natal segundo Jesus existe para que celebremos a esperança

O Natal é o tempo para que celebremos a esperança. Diz a Bíblia que “o povo que andava no escuro viu grande luz”. Um candeeiro foi aceso nas trevas. O sol começou a brilhar em plena noite. O Natal nos chama para que acreditemos na Luz. Na esperança de melhores dias; de liberdade, de refrigério, de alívio do cansaço. O Natal segundo Jesus nos faz ter esperança de que a escuridão que existe em nosso caminho será iluminada.

(3) O Natal segundo Jesus existe para que celebremos o amor

Segundo a Bíblia foi um gesto de amor que levou o Natal a existir. Foi Deus quem enviou o Seu Filho. Esse foi um ato de amor. Deus é Amor. Jesus é Deus. Quando Jesus nasce, vira gente, vemos nisso a encarnação do amor. De modo que o significado mais importante que representa o Natal é o amor. O amor é o sentimento mais nobre do Universo. O amor nos transforma por completo. Faz uma revolução interior em nós. Muda o nosso olhar. Faz com que consideremos muita coisa; reconsiderar outras. O amor nos torna humildes, plenos de alegria e cheios de esperança.

O Natal nos leva a considerar todas as coisas.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque

Data: quarta-feira, 15 de dezembro de 2010, 19:56:53.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Entrevista com Frei Betto. Religião: chave para dialogar com o povo

"Jamais haverá participação popular nos processos políticos latinoamericanos sem incorporar a religiosidade do povo", é o que afirma sem titubear o frei dominicano, jornalista e escritor, Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto.

Uma das principais referências da teologia da libertação no Brasil e com larga trajetória de lutador social ocupa lugar privilegiado para versar sobre o tema. Não por acaso, seu livro "Fidel e a Religião" (1986) teve importante papel, segundo próprio bispo cubano, para "tirar o medo dos cristãos e o preconceito dos comunistas". Indubitavelmente, a reconciliação entre a Igreja Católica e o governo revolucionário cubano deve algo a Frei Betto.

No Brasil, militante dominicano desde sua juventude na época da ditadura (1964-1985), contribuiu para a realização de acontecimentos históricos. Entre eles a fundação do Partido dos Trabalhadores, o PT, governo do qual chegou a formar parte em seu início com a eleição de Lula a presidência da república, em 2002.

Política, religião e comunicação. Na entrevista que segue Frei Betto, recorre a esses três pilares para nos deixar sua impressão sobre o atual momento político por que passa a América Latina.

-Como frei dominicano e militante junto às bases populares na época da ditadura brasileira, como avalia a importância da Igreja Católica para as lutas sociais na América Latina, especialmente no combate às ditaduras que assolaram a região durante a década de 60? De lá para cá, mudou o perfil da atuação social da Igreja?

-Frei Betto: Nos anos 1960 e 1980 a Igreja Católica, renovada pelo Concílio Vaticano II e pela conferência episcopal latino-americana em Medellín (1968), teve papel preponderante nas lutas sociais na América Latina. Através das Comunidades Eclesiais de Base e do advento da Teologia da Libertação, decorrentes da "opção pelos pobres", muitos militantes foram formados pela Igreja segundo o método Paulo Freire. Em países sob ditadura, como Brasil e Nicarágua, essa formação resultou em opção revolucionária. Diria que, de certo modo, as eleições recentes de Lula, Correa, Evo, Funes e outros têm a ver com esse processo pastoral. Com o pontificado de João Paulo II e a queda do Muro de Berlim, iniciou-se a "vaticanização" da Igreja latino-americana. A Teologia da Libertação foi censurada; os bispos progressistas afastados; padres conservadores nomeados bispos etc. Hoje a Igreja Católica, embora abrigando grupos progressistas comprometidos com as causas populares, reflui na opção pelos pobres e busca situar-se numa suposta neutralidade frente aos conflitos sociais.

-Qual a ponte entre o cristianismo e a luta armada?

-Hoje, na América Latina, a luta armada só interessa a dois setores: fabricantes de armas e extrema direita. Governos como Lula, Chavez, Mujica etc demonstram ser possível realizar reformas estruturais pelas vias pacífica e democrática. Porém, a questão da relação cristianismo e luta armada está, em tese, equacionada desde o século XIII por meu confrade Tomás de Aquino. Em caso de opressão prolongada e sem outro recurso para se evitar um mal maior fora da resistência armada, então esta é justa e legítima. Nos anos 1960 e 80 isso se aplicava a países da América Latina sob ditaduras, o que explica os testemunhos de Frei Tito de Alencar Lima, Camilo Torres e tantos outros cristãos que participaram da luta armada. Esse mesmo princípio tomista levou João Paulo II a comemorar os 50 anos da vitória da resistência europeia contra o nazifascismo. E, como sabemos, a resistência atuou com armas.

-As lutas sociais latino-americanas incorporaram símbolos e princípios do catolicismo (como a Nossa Senhora de Guadalupe no México, as místicas do MST, etc.). É possível falar em alguma luta que seja genuinamente popular na América latina e que desconsidere a força do catolicismo e da religião?

-Que eu saiba não há nenhuma força política progressista na América Latina que apregoe o ateísmo e seja antirreligiosa. Desde que Fidel acentuou, na entrevista que lhe fiz em 1985 (livro "Fidel e a Religião") a importância da religião como fator de libertação, o preconceito praticamente terminou. Jamais haverá participação popular nos processos políticos latino-americanos sem incorporar a religiosidade do povo. Aqui a porta da razão é o coração e a chave do coração é a religião.

-Considerando essas questões, como interpretar o caso da revolução cubana? Como avalia a situação por que passa o país hoje?

-A Revolução cubana incorporou os valores religiosos do povo, tanto que teve líderes assumidamente cristãos, como Frank Pais e José Antonio Echeverría, bem como capelão, o padre Guillermo Sardiñas, que após a vitória mereceu o título de Comandante da Revolução. Hoje Cuba passa por um período de excelentes relações entre Igreja e Estado, a ponto deste permitir que a Igreja Católica faça a mediação que possibilita a libertação de presos de consciência.

-Que papel os movimentos sociais desempenham hoje na política latinoamericana? No Brasil, pode-se dizer que foram a maior herança de resistência e organização da época da ditadura?

-Sem os movimentos sociais a América Latina não estaria vivendo essa primavera democrática representada por Lula, Chávez, Funes, Mujica, Evo, Correa, Lugo etc. No entanto, ocorre hoje um refluxo dos movimentos sociais, muitas vezes porque suas lideranças foram cooptadas para aqueles governos. A queda do Muro de Berlim, a influência do neoliberalismo e das novas tecnologias, o advento da pós-modernidade, são alguns dos fatores que explicam a desmobilização dos movimentos sociais, embora alguns permaneçam ativos, como o movimento indígena e, no caso do Brasil, o MST. O movimento indígena, graças à eleição de Evo Morales, o primeiro indígena presidente, ganha autoestima e, devido ao tema ambiental estar em pauta, também relevância, sobretudo na proposta do BEM VIVER, nos ensinando que devemos aprender a considerar o necessário como suficiente.

Quanto aos governos com origem na esquerda partidária e nos movimentos sociais que vêm se consolidando no cenário latinoamericano, é possível classificá-los como governos de esquerda?

Não, são governos progressistas e, alguns, como é o caso da Venezuela, até explicitam o socialismo como projeto político. Mas também estão longe de serem governos de direita ou conservadores. Dentro de possibilidades reais, e não ideais, atuam em favor dos mais pobres e, sobretudo, desarticulam o poder político das oligarquias tradicionais, embora elas prossigam com muito poder econômico.

-Tendo acompanhado o partido e colaborado com o PT desde sua fundação, como o senhor avalia os 8 anos de governo Lula em relação à proposta inicial do partido? Como o senhor define sua relação atualmente com o PT e com Lula?

-Lula fez o melhor governo de toda a história republicana do Brasil. Permitiu que 19 milhões de pessoas saíssem da miséria. Estabilizou a economia. Mas não fez nenhum reforma estrutural e nem qualificou a saúde e a educação. Escrevi dois livros de avaliação do governo Lula: A MOSCA AZUL e CALENDÁRIO DO PODER (editora Rocco). Apesar das limitações, penso que é importante dar continuidade do governo do PT.

-Como jornalista e escritor, qual o papel da comunicação para a transformação social? A comunicação ainda é o Quarto Poder? Como enfrentar esse poder?

-A comunicação não é mais o quarto poder, é o primeiro. Vide o papel do marketing eleitoral nas campanhas políticas. Ocorre que os grandes veículos de comunicação se encontram em mãos da elite conservadora. Um dos desafios a serem enfrentados pelos setores progressistas é o de encontrar alternativas à comunicação controlada pelos monopólios poderosos.
-Esteve preso por 4 anos. Como essa experiência interferiu na sua vontade de lutar contra a ditadura e as injustiças sociais?

-Ao contrário, foi a minha militância por justiça social e contra a ditadura que me levou à prisão. Esta apenas reforçou minha decisão de estar sempre ao lado dos oprimidos, ainda que aparentemente eles não tenham razão.

-O senhor já escreveu mais de 50 livros, em quantas línguas já foi traduzido? Qual dos seus livros recomenda para nossos leitores que queiram conhecer melhor o Frei Betto?

-Minhas obras já foram traduzidas em 32 idiomas e 23 países. Para o leitor latinoamericano sugiro obras em espanhol editadas em Cuba: Fidel y la religión; La obra del artista - una visión holística del Universo; Un hambre llamado Jesús (novela). E deve sair em breve La mosca azul.

[Publicado em Brasil de fato, Edição 394 - de 16 a 22 de setembro 2010].

Extraído DAQUI

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O pentecostalimo no Brasil, cem anos depois. Uma religião dos pobres. Entrevista com Ricardo Mariano

"Com exceção das denominações que priorizam o evangelismo de massas e realizam cultos em grandes catedrais (...), as igrejas pentecostais tendem a formar comunidades religiosas relativamente estáveis e pequenas. Isto é, elas são compostas por congregações e pequenos templos em que todos se conhecem, residem no mesmo bairro e compartilham coletivamente crenças, saberes, práticas, emoções, valores, os mesmos modos e estilos de vida, moralidade e posição de classe. (...) São laços gerados por meio do contato pessoal, de relações face a face, estabelecidas em frequentes e sistemáticas reuniões coletivas realizadas semanalmente, ano após ano. Eles tendem, assim, a formar relações fraternais de amizade, de confiança mútua e também de solidariedade com os ‘irmãos necessitados’". A definição é do sociólogo Ricardo Mariano. Na entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line, ele entende que "depois de um século de presença no país, o pentecostalismo prossegue crescendo majoritariamente na base da pirâmide social, isto é, na pobreza". Na sua visão, o baixo prestígio social do pentecostalismo deriva "de seu relativo sectarismo e de sua crença na posse exclusiva do monopólio dos bens de salvação ou da verdade divina. Modos de ser e de pensar que se chocam com traços básicos da modernidade".

Ricardo Mariano é graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, onde também realizou o mestrado e doutorado em Sociologia. Hoje, é professor na PUCRS. Entre suas obras, citamos Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (São Paulo: Edições Loyola, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais as principais transformações que o pentecostalismo promoveu no cenário religioso e social brasileiro?

Ricardo Mariano - Ao longo dos últimos cem anos, a expansão pentecostal no país contribuiu para transformar o campo religioso brasileiro, para consolidar o pluralismo religioso e para constituir um mercado religioso competitivo no país. O avanço pentecostal no Brasil contribuiu para intensificar o declínio numérico da Igreja Católica e da Umbanda e para "pentecostalizar" parte do protestantismo histórico e do próprio catolicismo. O chamado "avanço das seitas" pentecostais, nos termos do papa João Paulo II, e a formação do pluralismo religioso levaram a religião hegemônica a rever sua prédica e suas estratégias institucionais e a reavaliar sua relação com as demais religiões presentes em solo nacional, em detrimento do ecumenismo. O crescente evangelismo eletrônico pentecostal tem tido significativo impacto no mercado de comunicação de massa, sobretudo em função das iniciativas empresariais nessa área por parte da Igreja Universal e, em menor grau, da Internacional da Graça de Deus e da Renascer em Cristo, entre outras. Sua atuação tem se ampliado igualmente nos mercados editorial e fonográfico. O ativismo pentecostal na política partidária, por sua vez, tornou-se um elemento constitutivo da democracia brasileira nas últimas três décadas. A cada eleição, seus líderes pastorais, com raras exceções, procuram transformar seus rebanhos religiosos em rebanhos eleitorais, visando ampliar seu poder político, defender valores cristãos tradicionalistas e seus interesses institucionais na esfera pública stricto sensu. Tratam, portanto, de instrumentalizar a política partidária, justificando o ativismo político como recurso para defender suas bandeiras religiosas e corporativas. Por consequência, a cada eleição, esses religiosos se veem mais e mais instrumentalizados eleitoralmente por partidos e candidatos de todas as colorações ideológicas. Suas miríades de templos e pequenas congregações passaram a integrar o cenário urbano das cidades brasileiras, sobretudo de suas periferias.

IHU On-Line - Quais os maiores limites e desafios do pentecostalismo hoje, cem anos após seu surgimento no país?
Ricardo Mariano - Depois de um século de presença no país, o pentecostalismo prossegue crescendo majoritariamente na base da pirâmide social, isto é, na pobreza. Embora contenha um contingente de classe média, recruta a maioria de seus adeptos entre os pobres das periferias urbanas. Um de seus principais desafios, portanto, consiste em tornar-se atraente para as classes médias e mais escolarizadas. Nesse terreno, porém, enfrenta uma série de adversários religiosos mais bem-sucedidos, uma vez que as preferências religiosas das classes médias recaem sobre o catolicismo, o kardecismo, o protestantismo histórico, o esoterismo, entre outras. Sua estreita base social circunscrita às classes populares faz com que o pentecostalismo, não obstante sua vertiginosa expansão numérica e seu crescente poder político e midiático, mantenha-se numa posição claramente subordinada no campo religioso brasileiro. Seu baixo prestígio social deriva igualmente de seu relativo sectarismo e de sua crença na posse exclusiva do monopólio dos bens de salvação ou da verdade divina. Modos de ser e de pensar que se chocam com traços básicos da modernidade.

IHU On-Line - Qual é a igreja que melhor representa hoje a proposta pentecostal?

Ricardo Mariano - O pentecostalismo é um movimento religioso muito diversificado internamente, marcado por grande pluralidade teológica, litúrgica, estética, organizacional (modelos de governo eclesiástico distintos) e comportamental. Pode-se afirmar que há, na verdade, múltiplos pentecostalismos. Portanto, não há uma igreja representativa de seu conjunto. Por outro lado, em termos de sua amplitude demográfica, a Assembleia de Deus ocupa uma posição privilegiada, uma vez que concentrava 47,5% dos pentecostais brasileiros em 2000, segundo os dados do Censo Demográfico do IBGE. Mas, dividida em duas grandes convenções nacionais, a Assembleia de Deus apresenta grande variação interna nos planos doutrinário, eclesiástico, dos usos e costumes, da relação com os meios de comunicação de massa e com a política partidária. Isso se deve, em parte, à sua ampla distribuição geográfica pelo país, à sua composição em diferentes ministérios dotados de relativa autonomia e às idiossincrasias de suas lideranças pastorais locais. Em suma, a própria Assembleia de Deus contém enorme diversidade interna, variando dos que se mantêm apegados aos velhos usos e costumes de santidade pentecostal e se opõem à instrumentalização política da igreja e dos fiéis aos novos defensores da Teologia da Prosperidade, e daí por diante.

IHU On-Line - Como a Igreja Universal do Reino de Deus se posiciona em relação ao pentecostalismo?

Ricardo Mariano - Publicamente, os dirigentes da Universal classificam sua igreja como uma denominação neopentecostal e enfatizam que ela prega a Teologia da Prosperidade. Reconhecem, portanto, que a Universal faz parte de uma determinada vertente pentecostal no país. De modo geral, eles mantêm uma relação estritamente concorrencial com as demais igrejas pentecostais. E criticam abertamente as concorrentes por pregarem um "Evangelho água com açúcar". O principal episódio de aproximação deliberada por parte da cúpula da Universal com igrejas e líderes pentecostais ocorreu imediatamente após a prisão de Edir Macedo, em 1992. Temendo punições maiores por parte da Justiça, a liderança da Universal e da Rede Record abriu espaço da programação de sua tevê para os pastores e televangelistas assembleianos Silas Malafaia e Jabes de Alencar. E, em 1993, participou da criação do Conselho Nacional de Pastores do Brasil (CNPB), comandado pelo bispo Manoel Ferreira, líder da Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil, que também ganhou um programa de tevê na Record. Tal aproximação foi curta e, de lado a lado, fortemente instrumental. Desde então, da parte da Igreja Universal tende a prevalecer uma relação de caráter concorrencial com as outras igrejas evangélicas.

IHU On-Line - Como a realidade social brasileira contribui para o Brasil ter se tornado o maior país pentecostal do mundo?

Ricardo Mariano - Vários fenômenos têm contribuído, em maior ou menor medida, para o crescimento pentecostal desde meados do século passado. No plano jurídico, a separação entre Estado e igreja e a garantia de liberdade religiosa permitiram a inserção e criação de novos grupos religiosos no país, bem como sua expansão e legitimação. O que, por sua vez, possibilitou a formação e consolidação do pluralismo e de um mercado religioso. Nos planos social e econômico, a enorme desigualdade social, a explosão da violência e da criminalidade urbana, as altas taxas de pobreza, a elevada proporção de lares monoparentais, chefiados por mulheres pobres, a precariedade da situação de grande parte dos trabalhadores no mercado de trabalho, sobretudo no informal, favorecem uma religião que tende a direcionar sua missão de salvação aos sofredores e desprivilegiados. Não é à toa que o lema proselitista da Igreja Universal é "Pare de sofrer: Nós temos a solução". Nos planos cultural e religioso, a disseminada religiosidade popular, marcada por crenças e práticas de cunho mágico e taumatúrgico de matriz cristã, o elevado contingente de católicos não praticantes e a relativa fragilidade institucional da Igreja Católica, caracterizada pelo baixo número de vocações sacerdotais e de padres, facilitam o trânsito religioso e o trabalho evangelístico dos pentecostais. E, no campo político, os pentecostais têm sido demandados a participar da política partidária e influir na esfera pública por candidatos, partidos e governantes.

IHU On-Line - Como definir as redes de sociabilidade tecidas pelas igrejas pentecostais?

Ricardo Mariano - Com exceção das denominações que priorizam o evangelismo de massas e realizam cultos em grandes catedrais, que costumeiramente contam com a presença de clientelas flutuantes, as igrejas pentecostais tendem a formar comunidades religiosas relativamente estáveis e pequenas. Isto é, elas são compostas por congregações e pequenos templos em que todos se conhecem, residem no mesmo bairro e compartilham coletivamente crenças, saberes, práticas, emoções, valores, os mesmos modos e estilos de vida, moralidade e posição de classe. Portanto, não se tratam de redes de sociabilidade virtuais (que, aliás, estão crescendo nesse meio religioso com a expansão de redes religiosas e de relacionamento na Internet) nem compostas por laços impessoais, típicos das organizações burocráticas. São laços gerados por meio do contato pessoal, de relações face a face, estabelecidas em frequentes e sistemáticas reuniões coletivas, realizadas semanalmente ano após ano. Eles tendem, assim, a formar relações fraternais de amizade, de confiança mútua e também de solidariedade com os "irmãos necessitados". Isso não significa a ausência de conflitos interpessoais, disputas, fofocas. Pelo contrário, a intimidade também gera suas tiranias e problemas, que podem ser desencadeados igualmente por decisões arbitrárias de lideranças autoritárias.

IHU On-Line - Qual a contribuição do pentecostalismo para o diálogo entre as religiões?

Ricardo Mariano - Até o momento, pode-se afirmar que as igrejas pentecostais brasileiras não prestaram serviços relevantes para ampliar o diálogo religioso para além das fronteiras de seu movimento religioso. De modo geral, o propósito sectário de salvar os "ímpios" ou de evangelizar as pessoas de outras religiões em nada contribui para o diálogo inter-religioso. Nas últimas décadas, a demonização pentecostal dos cultos afro-brasileiros tem redundado em diversas manifestações de intolerância religiosa pelo país afora. Além disso, seu proselitismo provavelmente é um dos responsáveis pela queda numérica da Umbanda desde a década de 80, o que contribui, em alguma medida, para a diminuição da diversidade religiosa no país.

IHU On-Line - Quais os rumos que as igrejas pentecostais tendem a tomar nos próximos anos?

Ricardo Mariano - Sem incorrer em futurologia, pode-se afirmar que elas tendem a se acomodar crescentemente ao "mundo" que, retoricamente, tanto combatem, mas mantendo sempre certa defasagem, por conta de suas inclinações sectárias ancoradas no velho literalismo bíblico e numa moralidade sexual cristã de caráter tradicionalista. Tal adaptação, aliás, vem ocorrendo de forma acelerada desde os anos 50. Evidências disso existem aos montes, tais como a adoção proselitista dos meios de comunicação de massa, que antes eram considerados demoníacos, o paulatino abandono dos usos e costumes de santidade (antes biblicamente fundamentados e, por isso, sagrados), a incorporação dos ritmos e estilos musicais da moda, o ingresso na política partidária (proibido atualmente por poucas igrejas), a valorização positiva dos bens e riquezas materiais, como demonstra soberbamente a Teologia da Prosperidade, que vem se disseminando por boa parte do campo evangélico. O aumento da escolaridade dos fiéis e das novas lideranças pastorais, por exemplo, tenderá a promover modificações nas relações entre o rebanho e seus pastores, de modo a reduzir as distâncias hierárquicas, e a incitar cada vez mais a busca por melhor formação teológica. Um dos caminhos prováveis que várias igrejas pentecostais deverão percorrer é o de diminuição do fervor missionário em favor da qualificação pastoral e de sua prédica, mais ao gosto das classes médias, tendendo, com isso, a assemelhar-se, um pouco, com denominações protestantes tradicionais. Tal opção, porém, tende a gerar cismas diversas, justificadas com o propósito de resgatar o fervor primitivo, romper com a erudição teológica, ou com um Evangelho de "muito saber", mas "frio" e de "pouco poder". Cismas que são importantes para tentar manter seu extenso recrutamento entre os mais pobres. Por várias razões, é provável também que seu crescimento diminua nas próximas décadas. Por enquanto, o terreno brasileiro para sua expansão é dos mais férteis.

Extraído do sítio DAQUI